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sexta-feira, 26 de junho de 2020

O LIVRO DOS CONTOS

O FILME QUE           PASSOU NA MINHA CABEÇA
                          NÃO


SUMÁRIO

1     MESSIAS - ACONTECEU NA QUARENTENA
2     AMANHECER
3     OITO DIAS - CONTO DE CONFINAMENTO
4     A BAILARINA, O BARMAN E O PIANISTA
5    O HOMEM QUE IA MORRER DEPOIS DE AMANHÃ
6    O MENDIGO
7    OS PÉS DE MARIA
8    O NEGÃO
8    TADEU E MARIETA
10   MALDOSO
11   ANTIDENTISTA
12   A CASA!
13   FOTOGRAMAS

MESSIAS – Aconteceu na Quarentena


O mundo despertou subitamente, em meio a uma pandemia que lhe apresentou um novo vírus, excessivamente rápido, agressivo, letal e contra o qual não existia defesas. Nação por nação foi sucumbindo à doença, que dizimou populações, causando pânico, desespero e tristeza. Esse vírus, denominado COVID-19, alterou todo o sistema de vida, os hábitos, costumes e relacionamentos humanos. Todos tinham que manter a distância obrigatória de dois metros um do outro. Apertos de mãos, beijos e abraços foram proibidos, sob o risco de transmissão da virose que se espalhava em progressão exponencial. As pessoas, ao menos as que tinham condições, entraram em quarentena e se isolaram nos lares, preocupadas com o futuro e assustadas com o presente, pois sem trabalho o primordial era sobreviver em meio ao caos econômico, à sobrecarga do sistema de saúde, ao comprometimento dos serviços essenciais, aos efeitos emocionais e psicológicos ocasionados pela situação e ao possível desabastecimento de alimentos. A convulsão social tornou-se um perigo iminente, que poderia causar lutas fratricidas por um pedaço de pão ou uma gota de água
.
Imediatamente renomados cientistas do planeta passaram a lutar contra o tempo, para desenvolverem uma vacina que combatesse a moléstia ou medicamentos que pelo menos retardassem a sua proliferação, até que a cura fosse descoberta. Os governantes mundiais de todos os matizes políticos empreenderam enormes esforços para a proteção e cuidado dos seus povos. Filantropos doaram vultosas somas para compras de insumos médicos. Empresas Multinacionais adaptaram linhas de produção para fabricarem máscaras, luvas, respiradores e outros equipamentos fundamentais nessa batalha. ONGs se dedicaram a ajudar os pobres e carentes moradores de ruas e favelas. Entidades e grupos diversos se desdobraram no tratamento dos contaminados, a exemplo dos Médicos de Cuba, que passaram a atender países do primeiro mundo, com os seus profissionais de saúde se dividindo por várias regiões.

Mas havia uma exceção a essa intensa mobilização da sociedade internacional, sensibilizada com a comoção provocada por tantas mortes de pessoas de idiomas, idades, credos, raças e gêneros variados, que nem funerais tiveram, com seus corpos sendo enterrados sem a despedida emocionada dos seus entes queridos. Em um país de dimensões continentais localizado na América do Sul, desgovernava um sádico e despreparado ditador que minimizava, através de discursos e propagandas enganosas, os riscos do Coronavírus para a sua população. Em rede nacional de TV o insano chamou o vírus de gripinha, fez piadas e xingou de fracotes e vagabundos os que o contrariavam. Ele mandou todos irem trabalhar e crianças voltarem para a escola. Pediu ao povo que levasse uma vida normal saindo de casa para salvar a economia, mesmo que isso causasse as mortes de alguns pobres, velhos e fracos. A mídia internacional repercutiu e condenou a atitude do déspota, deixando até a ONU pasma e receosa de ocorrer uma tragédia humanitária de proporções gigantescas.

Na verdade, o desequilibrado desgovernante vivia o momento mais feliz da sua vida. Sem que ele fizesse nada além das suas sandices habituais, conseguiria eliminar todos os miseráveis e remediados do país inteiro, que viraria o paraíso dos milionários. Claro que trataria de salvar uma parcela de escravos para servirem, depois de purificados segundo a doutrina olavista de seu obscuro guru, aos senhores donos do dinheiro. Montou em seu palácio um “Gabinete do Ódio”, cuja função era desenvolver ideias para destruir a sociedade. Desse escritório saíram ações mirabolantes e cruéis: aumento de impostos; empresas sem pagarem salários; fake news; perseguição aos opositores; decretos estapafúrdios; bilhões de reais para bancos; provocação de discórdias; manifestações nas ruas para apoio às idiotices criminosas inventadas pelo presidente; fomento das paralisações de serviços essenciais; abertura das fronteiras aéreas, marítimas e terrestres para países com a população contaminada; filmagem do tirano andando pelas ruas e cumprimentando o povo incauto e ignorante; convocação para o povo faminto jejuar... Todo final de dia o grupo macabro, integrado por esses seres aberrantes e membros da bizarra equipe ministerial, promovia uma happy hour para conferir quantos mais tinham ido a óbito, constatar o terror da sociedade com a evolução da pandemia e definir as próximas maldades. As gargalhadas demoníacas eram ouvidas a quilômetros.

Entretanto, numa das andanças do inconsciente pela cidade, ele acabou pegando o tal Coronavírus e passou pra toda a sua equipe próxima, além de centenas de pessoas que ele cumprimentara nas ruas. O que ninguém entendia é por que o incompetente, mesmo idoso e com a saúde debilitada por várias operações, era assintomático e continuava vivendo como se não fora atacado pela doença. Mas após analisar vários exames que o parvo realizara, um célebre biólogo descobriu o motivo: o sangue do sátrapa continha o antídoto ao vírus. Ironia das ironias, o grande verdugo poderia salvar a humanidade inteira. O cientista entrou em pânico e quase enfartou. Era um proeminente e respeitado pesquisador e fora um dos intelectuais fundadores do PPT, maior partido socialista do país. Pensava ele que a revelação do feito anularia o seu ótimo conceito junto à comunidade progressista. O antigo sábio se sentiu como os físicos que viram suas invenções se transformarem em bombas atômicas. Angustiado, gravou um vídeo detalhando a fórmula e orientando a concepção da vacina e enviou aos assistentes pelo Whatsapp. Em seguida preparou um coquetel de pentobarbital com outras drogas, bebeu e morreu. O reacionário havia feito a sua mais destacada vítima.

O fato desestabilizou totalmente os assistentes do consagrado biólogo suicida. Uns viram a oportunidade da fama e um Nobel de medicina que os inscreveriam na história. Outros imaginaram o lucro de bilhões de dólares que um leilão junto às indústrias farmacêuticas poderia amealhar. Um grupo de idealistas radicais achava que assumir o sangue do autoritário como a cura seria o fim dos tempos e recomendava esperar. Depois eles explicariam os exaustivos testes que haviam sido necessários para a obtenção do resultado final. Por fim, tinha uma turma de revoltados que queria vender a vacina para terroristas internacionais chantagearem os países capitalistas do mundo. Todos eles se engalfinharam em argumentos e murros, quase destruindo o laboratório. Enquanto isso, alheio ao sucedido, o bárbaro do palácio continuava com suas loucuras, disseminando a virose com sua cara de pau e sorriso de bufão, deixando a sociedade e as instituições do país atônitas. Nem a Organização Mundial de Saúde sabia o que fazer, além de recomendar a internação do patético em um hospício. No que sobrou do laboratório do emérito descobridor da vacina, ninguém percebeu que o faxineiro do lugar também atentara para a chance de fazer uma grana, mas muito mais modesto ligou para poderosa emissora de TV e vendeu a notícia por um salário mínimo mensal até o fim da vida. Aí o veículo de mídia contatou os pesquisadores, negociou exclusividade e na coletiva de imprensa mais concorrida da história, os líderes das facções dos cientistas anunciaram, em duas partes, que a vacina contra o coronavírus fora criada, aliviando unanimemente os habitantes do planeta. Mas a segunda parte da informação devastou a Terra tanto quanto o meteoro que abateu a vida na era dos dinossauros: para a produção da vacina precisavam do sangue da besta que oprimia aquele ensolarado país tropical!

Sem pestanejar, o arbitrário personagem produziu um vídeo onde aparecia ao lado da trinca de filhos dizendo em alto e bom som, sem gaguejar, simplesmente o seguinte: - EU QUERO QUE A HUMANIDADE SE FODA! E deu uma banana que viralizou nas redes sociais mais agilmente até do que o próprio coronavírus entre a população mundial. Depois, sempre grosseiro, foi até a porta do palácio e comunicou à imprensa presente que: “O sangue é meu e ninguém tasca”.  “Isso é uma conspiração do Lelo, Mória e Pritzel”. “Esquerdistas são vampiros e o meu sangue não vão beber”. A discussão ganhou o mundo. Trump colocou um jatinho à disposição do salvador e dos pesquisadores. Queria levá-los para morar com ele na Casa Branca. Putin falou que o sangue do carnífice tinha que ser estatizado. Papa Francisco apelou para os sentimentos cristãos do abestalhado desgovernante, mas nenhum sentimento ele possuía. A Suprema Corte da nação recebeu uma infinidade de ações que pediam desde a prisão do facínora até a sua hospitalização para doação compulsória e completa do seu plasma. A ala de evangélicos que idolatrava o seu líder cegamente passou a chamá-lo de MESSIAS BOLSO, juntando um nome bíblico com o do local onde colocavam a grana dos fiéis.

Com terroristas planejando o seqüestro de Messias, exércitos oficiais e de mercenários buscando capturá-lo e bilionários oferecendo grandes recompensas por litros do seu sangue, as milícias defensoras, os crentes, apoiadores e até a tríade de filhos abandonaram o Bolso à própria sorte. Ele chorou copiosamente igual bebê cagado. Mas antes que algo lhe acontecesse, com tanta agonia imperando foi inevitável surgir uma conflagração mundial. Ninguém sabe quem começou, mas de repente a Índia estava em guerra com o Paquistão, EUA com a China, Israel com a Palestina, Coréia do Norte com o Japão. Os países da Europa, América do Sul e África brigaram entre si e o Irã com os Árabes. Ninguém se lembrou de invadir a Venezuela, que ficou eternamente aguardando os inimigos, vigiando seu petróleo. Só Cuba permaneceu neutra, colocando Mais Médicos à disposição da humanidade. O conflito se espalhou para todos os cantos do planeta, que foi praticamente arrasado e a vida nele extinta.

Quando as contendas cessaram, não havia sobrado gente nem vírus, animais ou natureza. Só uma certeza pairava no ar: às vezes a cura é muito pior do que a doença!

Fábio Roberto

terça-feira, 9 de junho de 2020

AMANHECER


Eu e meus pensamentos acordamos da insônia por volta das cinco horas, antes que o sol nascesse outro dia enfadonho e claustrofóbico. As nossas ideias não mais combinavam e isso nos enlouquecera. Só um objetivo nos unia: deixar o confinamento a que estávamos submetidos há três longos anos, no interior da minha cabeça. Mas, finalmente a pandemia havia acabado. Nada nos impediria de abrir a porta e sair correndo, cada um pra um lado. Eu pra uma vida de aventuras e liberdade, inclusive a de não pensar, só existir, sem máscaras ou preocupações. Os meus pensamentos que escolhessem os seus destinos, que poderiam ser o de atormentar uma cabeça que não seria a minha, já vazia. Talvez até seguirem soltos, a esmo, à toa, como eu renascendo neste mundo miserável, triste e também vazio.