O mundo despertou subitamente, em meio a uma pandemia que lhe
apresentou um novo vírus, excessivamente rápido, agressivo, letal e contra o
qual não existia defesas. Nação por nação foi sucumbindo à doença, que dizimou
populações, causando pânico, desespero e tristeza. Esse vírus, denominado COVID-19,
alterou todo o sistema de vida, os hábitos, costumes e relacionamentos humanos.
Todos tinham que manter a distância obrigatória de dois metros um do outro.
Apertos de mãos, beijos e abraços foram proibidos, sob o risco de transmissão
da virose que se espalhava em progressão exponencial. As pessoas, ao menos as
que tinham condições, entraram em quarentena e se isolaram nos lares, preocupadas
com o futuro e assustadas com o presente, pois sem trabalho o primordial era
sobreviver em meio ao caos econômico, à sobrecarga do sistema de saúde, ao
comprometimento dos serviços essenciais, aos efeitos emocionais e psicológicos
ocasionados pela situação e ao possível desabastecimento de alimentos. A
convulsão social tornou-se um perigo iminente, que poderia causar lutas
fratricidas por um pedaço de pão ou uma gota de água
.
.
Imediatamente renomados cientistas do planeta passaram a
lutar contra o tempo, para desenvolverem uma vacina que combatesse a moléstia
ou medicamentos que pelo menos retardassem a sua proliferação, até que a cura fosse
descoberta. Os governantes mundiais de todos os matizes políticos empreenderam
enormes esforços para a proteção e cuidado dos seus povos. Filantropos doaram
vultosas somas para compras de insumos médicos. Empresas Multinacionais
adaptaram linhas de produção para fabricarem máscaras, luvas, respiradores e
outros equipamentos fundamentais nessa batalha. ONGs se dedicaram a ajudar os
pobres e carentes moradores de ruas e favelas. Entidades e grupos diversos se
desdobraram no tratamento dos contaminados, a exemplo dos Médicos de Cuba, que
passaram a atender países do primeiro mundo, com os seus profissionais de saúde
se dividindo por várias regiões.
Mas havia uma exceção a essa intensa mobilização da
sociedade internacional, sensibilizada com a comoção provocada por tantas
mortes de pessoas de idiomas, idades, credos, raças e gêneros variados, que nem
funerais tiveram, com seus corpos sendo enterrados sem a despedida emocionada
dos seus entes queridos. Em um país de dimensões continentais localizado na América
do Sul, desgovernava um sádico e despreparado ditador que minimizava, através
de discursos e propagandas enganosas, os riscos do Coronavírus para a sua
população. Em rede nacional de TV o insano chamou o vírus de gripinha, fez piadas
e xingou de fracotes e vagabundos os que o contrariavam. Ele mandou todos irem
trabalhar e crianças voltarem para a escola. Pediu ao povo que levasse uma vida
normal saindo de casa para salvar a economia, mesmo que isso causasse as mortes
de alguns pobres, velhos e fracos. A mídia internacional repercutiu e condenou
a atitude do déspota, deixando até a ONU pasma e receosa de ocorrer uma
tragédia humanitária de proporções gigantescas.
Na verdade, o desequilibrado desgovernante vivia o momento
mais feliz da sua vida. Sem que ele fizesse nada além das suas sandices habituais,
conseguiria eliminar todos os miseráveis e remediados do país inteiro, que
viraria o paraíso dos milionários. Claro que trataria de salvar uma parcela de
escravos para servirem, depois de purificados segundo a doutrina olavista de
seu obscuro guru, aos senhores donos do dinheiro. Montou em seu palácio um
“Gabinete do Ódio”, cuja função era desenvolver ideias para destruir a sociedade.
Desse escritório saíram ações mirabolantes e cruéis: aumento de impostos;
empresas sem pagarem salários; fake news; perseguição aos opositores; decretos
estapafúrdios; bilhões de reais para bancos; provocação de discórdias; manifestações
nas ruas para apoio às idiotices criminosas inventadas pelo presidente; fomento
das paralisações de serviços essenciais; abertura das fronteiras aéreas,
marítimas e terrestres para países com a população contaminada; filmagem do
tirano andando pelas ruas e cumprimentando o povo incauto e ignorante;
convocação para o povo faminto jejuar... Todo final de dia o grupo macabro,
integrado por esses seres aberrantes e membros da bizarra equipe ministerial,
promovia uma happy hour para conferir quantos mais tinham ido a óbito,
constatar o terror da sociedade com a evolução da pandemia e definir as
próximas maldades. As gargalhadas demoníacas eram ouvidas a quilômetros.
Entretanto, numa das andanças do inconsciente pela cidade, ele
acabou pegando o tal Coronavírus e passou pra toda a sua equipe próxima, além
de centenas de pessoas que ele cumprimentara nas ruas. O que ninguém entendia é
por que o incompetente, mesmo idoso e com a saúde debilitada por várias
operações, era assintomático e continuava vivendo como se não fora atacado pela
doença. Mas após analisar vários exames que o parvo realizara, um célebre
biólogo descobriu o motivo: o sangue do sátrapa continha o antídoto ao vírus.
Ironia das ironias, o grande verdugo poderia salvar a humanidade inteira. O
cientista entrou em pânico e quase enfartou. Era um proeminente e respeitado
pesquisador e fora um dos intelectuais fundadores do PPT, maior partido
socialista do país. Pensava ele que a revelação do feito anularia o seu ótimo
conceito junto à comunidade progressista. O antigo sábio se sentiu como os
físicos que viram suas invenções se transformarem em bombas atômicas. Angustiado,
gravou um vídeo detalhando a fórmula e orientando a concepção da vacina e
enviou aos assistentes pelo Whatsapp. Em seguida preparou um coquetel de
pentobarbital com outras drogas, bebeu e morreu. O reacionário havia feito a
sua mais destacada vítima.
O fato desestabilizou totalmente os assistentes do
consagrado biólogo suicida. Uns viram a oportunidade da fama e um Nobel de
medicina que os inscreveriam na história. Outros imaginaram o lucro de bilhões
de dólares que um leilão junto às indústrias farmacêuticas poderia amealhar. Um
grupo de idealistas radicais achava que assumir o sangue do autoritário como a
cura seria o fim dos tempos e recomendava esperar. Depois eles explicariam os
exaustivos testes que haviam sido necessários para a obtenção do resultado
final. Por fim, tinha uma turma de revoltados que queria vender a vacina para
terroristas internacionais chantagearem os países capitalistas do mundo. Todos
eles se engalfinharam em argumentos e murros, quase destruindo o laboratório.
Enquanto isso, alheio ao sucedido, o bárbaro do palácio continuava com suas
loucuras, disseminando a virose com sua cara de pau e sorriso de bufão,
deixando a sociedade e as instituições do país atônitas. Nem a Organização Mundial
de Saúde sabia o que fazer, além de recomendar a internação do patético em um
hospício. No que sobrou do laboratório do emérito descobridor da vacina,
ninguém percebeu que o faxineiro do lugar também atentara para a chance de
fazer uma grana, mas muito mais modesto ligou para poderosa emissora de TV e
vendeu a notícia por um salário mínimo mensal até o fim da vida. Aí o veículo
de mídia contatou os pesquisadores, negociou exclusividade e na coletiva de
imprensa mais concorrida da história, os líderes das facções dos cientistas
anunciaram, em duas partes, que a vacina contra o coronavírus fora criada,
aliviando unanimemente os habitantes do planeta. Mas a segunda parte da
informação devastou a Terra tanto quanto o meteoro que abateu a vida na era dos
dinossauros: para a produção da vacina precisavam do sangue da besta que
oprimia aquele ensolarado país tropical!
Sem pestanejar, o arbitrário personagem produziu um vídeo
onde aparecia ao lado da trinca de filhos dizendo em alto e bom som, sem
gaguejar, simplesmente o seguinte: - EU QUERO QUE A HUMANIDADE SE FODA! E deu
uma banana que viralizou nas redes sociais mais agilmente até do que o próprio
coronavírus entre a população mundial. Depois, sempre grosseiro, foi até a
porta do palácio e comunicou à imprensa presente que: “O sangue é meu e ninguém
tasca”. “Isso é uma conspiração do Lelo,
Mória e Pritzel”. “Esquerdistas são vampiros e o meu sangue não vão beber”. A
discussão ganhou o mundo. Trump colocou um jatinho à disposição do salvador e
dos pesquisadores. Queria levá-los para morar com ele na Casa Branca. Putin
falou que o sangue do carnífice tinha que ser estatizado. Papa Francisco apelou
para os sentimentos cristãos do abestalhado desgovernante, mas nenhum
sentimento ele possuía. A Suprema Corte da nação recebeu uma infinidade de ações que
pediam desde a prisão do facínora até a sua hospitalização para doação
compulsória e completa do seu plasma. A ala de evangélicos que idolatrava o seu
líder cegamente passou a chamá-lo de MESSIAS BOLSO, juntando um nome bíblico
com o do local onde colocavam a grana dos fiéis.
Com terroristas
planejando o seqüestro de Messias, exércitos oficiais e de mercenários buscando
capturá-lo e bilionários oferecendo grandes recompensas por litros do seu
sangue, as milícias defensoras, os crentes, apoiadores e até a tríade de filhos
abandonaram o Bolso à própria sorte. Ele chorou copiosamente igual bebê cagado.
Mas antes que algo lhe acontecesse, com tanta agonia imperando foi inevitável surgir
uma conflagração mundial. Ninguém sabe quem começou, mas de repente a Índia
estava em guerra com o Paquistão, EUA com a China, Israel com a Palestina,
Coréia do Norte com o Japão. Os países da Europa, América do Sul e África
brigaram entre si e o Irã com os Árabes. Ninguém se lembrou de invadir a
Venezuela, que ficou eternamente aguardando os inimigos, vigiando seu petróleo.
Só Cuba permaneceu neutra, colocando Mais Médicos à disposição da humanidade. O
conflito se espalhou para todos os cantos do planeta, que foi praticamente arrasado
e a vida nele extinta.
Quando as
contendas cessaram, não havia sobrado gente nem vírus, animais ou natureza. Só
uma certeza pairava no ar: às vezes a cura é muito pior do que a doença!
Fábio
Roberto
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