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sábado, 14 de dezembro de 2019

A BAILARINA, O BARMAN E O PIANISTA - Parte 3

Vejam só eu sonhando em conquistar a bailarina. Eu falei para a minha cabeça ir com calma! Chega, chega de exagerar nos devaneios. Nem sei se a bailarina existe e a minha cabeça tem a ousadia de sonhar que estou tocando aquele corpo fenomenal. Ai meu Deus, só falta eu começar a sonhar com ela toda nua! Espera aí, ousadia tem limite, preciso controlar a minha mente, sou o dono dela afinal. Vou beber é um Ballantine’s, respirar fundo, contar até um milhão... Eu consigo, não vou ser manipulado pela minha mente. O barman notou-me e veio me cumprimentar muito sorridente, quase pulando o balcão para um abraço. Fico até sem graça. Bem na hora em que toca o celular da bailarina e ela o atende. Distraída, nem percebe a minha presença. O barman já foi providenciando o baldinho com três Bohemias de garrafinhas long neck, pois me esqueci do Balla. Ele serve o primeiro copo e fala que bom que vocês voltaram. Vocês quem? Eu e as minhas angústias? Eu e a busca permanente de saciar a minha fome de vida? Eu e a poesia maldita que sai da minha cabeça mesmo quando estou feliz? Ou eu e a bailarina? Será que ela também nunca mais tinha voltado a este bar? Ela desliga o celular e ao ajeitar os cabelos pretos, escuros como madrugada com luar, quando a bailarina seria o brilho da lua, vislumbro uma aliança que não esteve nunca em seu dedo. A música acaba e eu estalo os meus dedos, estes sem aliança nenhuma.

A bailarina finalmente percebe a minha presença e abre um sorriso que não dá para descrever. Se vocês leitores puderem aguardar vou procurar algo em Quintana, Vinicius ou Drummond para comentar esse sorriso. Eu, com minhas palavras inertes de talento, digo que foi um sorriso igual ao de uma criança perdida na praia e que acaba de encontrar o pai. Quem já se perdeu já deu esse sorriso misto de alívio e felicidade imensa. Ou o rabo-sorriso de um cão quando o dono volta pra casa. O dono está fora somente há poucas horas, mas a alegria do cão é como se o dono estivesse longe há anos. O sorriso de mãe que acaba de parir e tem o seu bebê pela primeira vez nos braços compensando a dor do parto. Ou desse bebê no conforto dos braços que pertencem ao corpo que era sua casa até então e de onde fora despejado. O sorriso de um alcoólatra quando toma o seu primeiro gole do dia. Toma esse gole como se fosse o último. Ou o sorriso de uma virgem que acabou de ser deflorada pelo amor da sua vida. Mesmo que nunca mais veja esse homem, é o amor da vida. O sorriso de um condenado à morte, nervosamente sentado na cadeira elétrica, bem no instante em que ocorre um apagão geral. Um riso de incredulidade total. É assim e não estou exagerando. E o meu riso é tudo isso somado a espanto, pois ela levanta-se, pega o copo, balança os cabelo pretos e o corpo estonteante vindo para mim com seu andar de dança. Fui eu quem falou que esse tipo de mulher não me intimida? Esqueçam o que eu disse!

A bailarina se aproxima e ainda em pé aperta meu braço esquerdo com a mão direita, encostando os lábios carnudos nos meus, enquanto eu seguro o copo meio trêmulo com a mão esquerda e a minha mão direita, mais esperta naquela hora, procura enlaçá-la pelas costas puxando-a para perto. Foi rápido esse beijo, mas não menos saboroso. Principalmente considerando-nos quase desconhecidos, ou quase amigos ou quase sei lá o quê. Nesse momento ficou definida a existência da bailarina, então o beijo da outra noite também tinha sido real. Para não haver mais questionamentos eu pergunto ao velho barman se ele existe e ele com uma expressão preocupada me responde seriamente que tem certeza que sim. O pianista das mesuras começa a tocar “Take Five” e todos têm certeza de que não estamos sonhando. A bailarina senta-se bem encostadinha em mim no banquinho ao lado. Adoro mulher que gruda. Ainda mais aquela obra prima do bom Deus. Fico até com certo ar de convencimento e já não estou tão intimidado assim. De repente, penso, eu posso controlar essa situação. Estou com aquela mulher fantástica colada em mim, acabo de ter certeza da existência dela e ela da minha, quando as mãos da mulher me chamam a atenção e eu que nunca ligo para alianças nos dedos de ninguém, vejo novamente a aliança da bailarina. Ela dá uma gargalhada com uma sonoridade bem marota, tira a aliança do dedo e joga na bolsa de forma displicente. Fico numa excitação tal, que a partir desse momento acho que nunca mais confundirei sonho e realidade.

Está respondida a grande pergunta? Acabou o suspense? A bailarina é de carne (que carne) e osso (que ossos). Tudo começou a acontecer num mês de junho, foi rápido, louco demais e apenas fui ter coragem de falar da bailarina no momento em que iniciei este relato, digitando palavras nervosamente no computador. Parece ter sido fácil, parece uma estória comum de um cara comum encontrando uma mulher incomum que vai com a cara do cara e rola uma grande paixão, só que o cara não era nada comum e ele surgiu para essa mulher quando ela vivia uma situação incomum que por causa dele se tornou tremendamente incomum. A presença do cara deu vida à mulher. A presença da mulher transformou a vida do cara. Poderiam caminhar para um romance com final feliz. Mas estórias com finais felizes são criadas para poucos. Não para dois seres essencialmente fora do comum. Não para pessoas que carregam os sentimentos nas mãos, fazendo deles um presente ou uma arma. A escolha do destino quase sempre é desfavorável aos personagens especiais da vida. Nesse tempo em que eu vivi as emoções aqui narradas, havia fechado o meu coração para novos amores tão violentos. Já perdera a primeira mulher da vida e estava perdendo a segunda, o que havia resultado em centenas de composições e poemas. Foi então que conheci a bailarina, de quem nunca conseguira escrever uma palavra ou pra quem nunca compusera uma nota musical até agora, porque a perdi também. Você está achando que a estória não tem mais interesse, que realmente acabou o suspense e que só resta contar como perdi a terceira mulher da minha vida? Você vai saber que nada é tão simples assim para este narrador, que depois da bailarina jurou mesmo nunca mais se apaixonar.

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