O banqueiro não acreditou quando o mordomo lhe informou que o
juiz estava ao telefone tremendamente irritadiço. Os assessores recomendaram
que ele o atendesse educadamente, dialogando com calma e cautela. O juiz estava
transtornado. Falou para o banqueiro buscar imediatamente o seu filho e que ele
cuidasse para que Tadeu nunca mais fosse a casa dele ou procurasse Marieta. Bem
orientado o banqueiro ponderou que esse era um assunto que não podia ser
tratado com tamanho destempero e que o juiz, com toda a sua experiência e
preparo, deveria respeitar a amizade das crianças como ele mesmo havia feito
até então, mesmo sabendo que Marieta era filha do juiz. E afirmou que tomaria
todas as medidas legais para resguardar os direitos de Tadeu junto à escola. O
juiz, provocado ao equilíbrio, explicou que já havia conseguido uma liminar
para reintegrar Marieta ao direito de estudo, decisão jurídica que se
estenderia também a Tadeu. Trocaram mais informações sobre os processos e
decidiram tomar todos os cuidados para lidarem com as crianças, inclusive
deixando Tadeu dormir na casa do juiz naquela noite, no objetivo de evitarem
mais traumas para os dois amiguinhos. O juiz desligou e ficou pensando se
aquela era realmente a melhor coisa a fazer e se não tinha nenhuma outra
intenção escabrosa por trás da atitude aparentemente prudente do vizinho
canalha. Aquela indulgência repentina não combinava com ele. Simultaneamente na
casa do banqueiro, ele e os assessores gargalhavam estrondosamente e brindavam
com várias garrafas de Moet&Chandon.
Na casa do juiz Tadeu e Marieta, estressados por um dia de
tantas confusões, receberam aliviados a notícia de que ficariam juntos naquela
noite. Depois de enfrentarem corajosamente o juiz, ficaram refletindo sobre a
expulsão deles da escola por conduta julgada ofensiva aos “bons costumes”. Não
conseguiam entender por que as pessoas não reconheciam que eles apenas se
amavam muito. Onde estava a sensibilidade de todos? Por que tantos corações
empedrados? Será que ninguém mais tinha amor no coração? E por que tanto medo
do sexo? Eles se amavam como ninguém se amava no mundo, como não poderiam fazer
sexo? Afinal, sexo não era a comunhão total e absoluta entre dois seres que se
entregavam um ao outro de corpo e alma? Mas se eles já haviam entrelaçado as
suas almas no berço, porque a fusão de seus corpos não era considerada natural?
Por que a discriminação com o amor de duas crianças de sete anos? O que
diferenciava o amor delas naquele momento, do amor que poderiam ter dali a dez
anos? Será que o amor era medido pela idade ou por sua intensidade? Pelas leis
humanas ou por transcender a vida? Pelas regras, moral e conceitos
pré-estabelecidos pela sociedade ou pelo respeito, amizade, entendimento e
companheirismo estabelecidos entre duas pessoas?
Semanas depois o caso de Tadeu e Marieta tornou-se rumoroso
ganhando as páginas de um importante jornal, onde renomado escritor/jornalista
mantinha uma coluna lida e comentada por milhares de pessoas diariamente. Após
pesquisar os fatos, ele contou a história de Tadeu e Marieta em uma matéria
detalhada, escrita de forma soberba. Nela o respeitado intelectual falou sobre
o amor das crianças, a inimizade ferrenha dos pais, a alienação das mães, a
genialidade prematura das crianças, a expulsão delas da escola com alegações de
atos indecentes, a briga jurídica dos pais poderosos com o colégio e as
pressões que a entidade estava sofrendo, correndo inclusive o risco de
interdição temporária ou fechamento definitivo. A matéria coletava ainda a
opinião de múltiplas personalidades consideradas representativas da sociedade
sobre o relacionamento das crianças, do clero católico a médicos e
psicanalistas, passando por juristas e educadores.
As opiniões provavam que praticamente ninguém conseguia
entender ou aceitar que as crianças haviam se apaixonado instantaneamente no
berço, que haviam se acostumado com os gostinhos e os corpinhos um do outro
desde pequenos, que a nudez para eles não era devassa como para a maioria dos
adultos, que o amor de Tadeu e Marieta crescera com eles solidamente e de forma
amadurecida, que não havia indecência no ato deles fazerem sexo desde os cinco
anos uma vez que se amavam verdadeira e intensamente e que esse amor só cabia
no infinito e em todos os tempos. A matéria era instigante, ousada como o amor
das crianças. Contestava conceitos e pré-conceitos, convidava à reflexão e ao
debate. A palavra final era dada pelos questionamentos das crianças, com quem
ele conversara na escola. E o depoimento delas fez o intelectual concluir que
Tadeu e Marieta realmente se amavam demais e enfrentariam o mundo pelo amor!
A matéria teve uma repercussão fenomenal. O caso espalhou-se
por toda a mídia com o impacto de um míssil atômico. Rapidamente todos os
veículos de comunicação estavam discutindo o assunto. Uma grande emissora de TV
realizou um debate. Contra o amor das crianças algumas posições: um padre
dizendo que faltava religiosidade naquela família e que todos precisavam se
desculpar perante Deus; para um pediatra crianças de cinco anos não sabiam
fazer sexo, aquilo era mera fantasia das cabeças delas; uma terapeuta concluiu
que as crianças estavam refletindo o mundo em que viviam, portanto necessitavam
acompanhamento psicológico; uma educadora mencionou que devido à genialidade das
crianças, elas haviam precocemente imitado o mundo adulto e teriam que voltar a
ser educadas como crianças; um casal de pais dizia que aquilo era pura
sacanagem mesmo e reflexo do descaso e da educação liberal que as crianças
tinham recebido; um jurista disse que as crianças não tinham como responder por
seus atos perante a lei e que os pais deveriam ser responsabilizados mesmo um
deles sendo juiz e o outro um bilionário; um pastor esquentou a polêmica
dizendo que as crianças tinham mesmo é que ser exorcizadas.
Por incrível que pareça Tadeu e Marieta encontraram poucos,
mas entusiasmados defensores. O intelectual ponderou que ninguém além dele
escutara as crianças, afirmando que a opinião delas era a mais importante e que
deveria ser considerada. Mesmo acusado de ter uma visão poética e falsa da
realidade, ele assumiu que acreditava firmemente na história de amor dos dois
apaixonados extemporâneos. Também um grupo de jovens defendeu vigorosamente as
crianças, pregando a liberdade de se amar e fazer sexo em qualquer idade. Até
uma ONG, a ALBEV (Amor Livre do Berço à Velhice), o grupo fundou ao vivo e em
rede nacional solicitando adesões pelo telefone, o que congestionou as linhas
da emissora. Finalizando os defensores do amor das crianças, uma
socióloga/antropóloga relatou que em diversas civilizações antigas o amor e o
casamento entre crianças eram comuns e aceitos por aquelas sociedades e que
nossa sociedade atual era preconceituosa, repleta de falso moralismo e estava
transferindo as suas frustrações e recalques para aquelas crianças. O debate
foi parar na boca do povo, que se dividiu entre opositores e apoiadores do amor
de Tadeu e Marieta. O juiz, com a sua credibilidade abalada, já nem sabia mais
a quem processar. E o bando do banqueiro decidiu: a hora perfeita de sumir com
as crianças, dar o golpe final no juiz e tornar o patrão um herói nacional era
aquela.
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