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quinta-feira, 12 de dezembro de 2019

TADEU E MARIETA - Parte 6


O banqueiro não acreditou quando o mordomo lhe informou que o juiz estava ao telefone tremendamente irritadiço. Os assessores recomendaram que ele o atendesse educadamente, dialogando com calma e cautela. O juiz estava transtornado. Falou para o banqueiro buscar imediatamente o seu filho e que ele cuidasse para que Tadeu nunca mais fosse a casa dele ou procurasse Marieta. Bem orientado o banqueiro ponderou que esse era um assunto que não podia ser tratado com tamanho destempero e que o juiz, com toda a sua experiência e preparo, deveria respeitar a amizade das crianças como ele mesmo havia feito até então, mesmo sabendo que Marieta era filha do juiz. E afirmou que tomaria todas as medidas legais para resguardar os direitos de Tadeu junto à escola. O juiz, provocado ao equilíbrio, explicou que já havia conseguido uma liminar para reintegrar Marieta ao direito de estudo, decisão jurídica que se estenderia também a Tadeu. Trocaram mais informações sobre os processos e decidiram tomar todos os cuidados para lidarem com as crianças, inclusive deixando Tadeu dormir na casa do juiz naquela noite, no objetivo de evitarem mais traumas para os dois amiguinhos. O juiz desligou e ficou pensando se aquela era realmente a melhor coisa a fazer e se não tinha nenhuma outra intenção escabrosa por trás da atitude aparentemente prudente do vizinho canalha. Aquela indulgência repentina não combinava com ele. Simultaneamente na casa do banqueiro, ele e os assessores gargalhavam estrondosamente e brindavam com várias garrafas de Moet&Chandon.

Na casa do juiz Tadeu e Marieta, estressados por um dia de tantas confusões, receberam aliviados a notícia de que ficariam juntos naquela noite. Depois de enfrentarem corajosamente o juiz, ficaram refletindo sobre a expulsão deles da escola por conduta julgada ofensiva aos “bons costumes”. Não conseguiam entender por que as pessoas não reconheciam que eles apenas se amavam muito. Onde estava a sensibilidade de todos? Por que tantos corações empedrados? Será que ninguém mais tinha amor no coração? E por que tanto medo do sexo? Eles se amavam como ninguém se amava no mundo, como não poderiam fazer sexo? Afinal, sexo não era a comunhão total e absoluta entre dois seres que se entregavam um ao outro de corpo e alma? Mas se eles já haviam entrelaçado as suas almas no berço, porque a fusão de seus corpos não era considerada natural? Por que a discriminação com o amor de duas crianças de sete anos? O que diferenciava o amor delas naquele momento, do amor que poderiam ter dali a dez anos? Será que o amor era medido pela idade ou por sua intensidade? Pelas leis humanas ou por transcender a vida? Pelas regras, moral e conceitos pré-estabelecidos pela sociedade ou pelo respeito, amizade, entendimento e companheirismo estabelecidos entre duas pessoas?

Semanas depois o caso de Tadeu e Marieta tornou-se rumoroso ganhando as páginas de um importante jornal, onde renomado escritor/jornalista mantinha uma coluna lida e comentada por milhares de pessoas diariamente. Após pesquisar os fatos, ele contou a história de Tadeu e Marieta em uma matéria detalhada, escrita de forma soberba. Nela o respeitado intelectual falou sobre o amor das crianças, a inimizade ferrenha dos pais, a alienação das mães, a genialidade prematura das crianças, a expulsão delas da escola com alegações de atos indecentes, a briga jurídica dos pais poderosos com o colégio e as pressões que a entidade estava sofrendo, correndo inclusive o risco de interdição temporária ou fechamento definitivo. A matéria coletava ainda a opinião de múltiplas personalidades consideradas representativas da sociedade sobre o relacionamento das crianças, do clero católico a médicos e psicanalistas, passando por juristas e educadores.

As opiniões provavam que praticamente ninguém conseguia entender ou aceitar que as crianças haviam se apaixonado instantaneamente no berço, que haviam se acostumado com os gostinhos e os corpinhos um do outro desde pequenos, que a nudez para eles não era devassa como para a maioria dos adultos, que o amor de Tadeu e Marieta crescera com eles solidamente e de forma amadurecida, que não havia indecência no ato deles fazerem sexo desde os cinco anos uma vez que se amavam verdadeira e intensamente e que esse amor só cabia no infinito e em todos os tempos. A matéria era instigante, ousada como o amor das crianças. Contestava conceitos e pré-conceitos, convidava à reflexão e ao debate. A palavra final era dada pelos questionamentos das crianças, com quem ele conversara na escola. E o depoimento delas fez o intelectual concluir que Tadeu e Marieta realmente se amavam demais e enfrentariam o mundo pelo amor!

A matéria teve uma repercussão fenomenal. O caso espalhou-se por toda a mídia com o impacto de um míssil atômico. Rapidamente todos os veículos de comunicação estavam discutindo o assunto. Uma grande emissora de TV realizou um debate. Contra o amor das crianças algumas posições: um padre dizendo que faltava religiosidade naquela família e que todos precisavam se desculpar perante Deus; para um pediatra crianças de cinco anos não sabiam fazer sexo, aquilo era mera fantasia das cabeças delas; uma terapeuta concluiu que as crianças estavam refletindo o mundo em que viviam, portanto necessitavam acompanhamento psicológico; uma educadora mencionou que devido à genialidade das crianças, elas haviam precocemente imitado o mundo adulto e teriam que voltar a ser educadas como crianças; um casal de pais dizia que aquilo era pura sacanagem mesmo e reflexo do descaso e da educação liberal que as crianças tinham recebido; um jurista disse que as crianças não tinham como responder por seus atos perante a lei e que os pais deveriam ser responsabilizados mesmo um deles sendo juiz e o outro um bilionário; um pastor esquentou a polêmica dizendo que as crianças tinham mesmo é que ser exorcizadas.

Por incrível que pareça Tadeu e Marieta encontraram poucos, mas entusiasmados defensores. O intelectual ponderou que ninguém além dele escutara as crianças, afirmando que a opinião delas era a mais importante e que deveria ser considerada. Mesmo acusado de ter uma visão poética e falsa da realidade, ele assumiu que acreditava firmemente na história de amor dos dois apaixonados extemporâneos. Também um grupo de jovens defendeu vigorosamente as crianças, pregando a liberdade de se amar e fazer sexo em qualquer idade. Até uma ONG, a ALBEV (Amor Livre do Berço à Velhice), o grupo fundou ao vivo e em rede nacional solicitando adesões pelo telefone, o que congestionou as linhas da emissora. Finalizando os defensores do amor das crianças, uma socióloga/antropóloga relatou que em diversas civilizações antigas o amor e o casamento entre crianças eram comuns e aceitos por aquelas sociedades e que nossa sociedade atual era preconceituosa, repleta de falso moralismo e estava transferindo as suas frustrações e recalques para aquelas crianças. O debate foi parar na boca do povo, que se dividiu entre opositores e apoiadores do amor de Tadeu e Marieta. O juiz, com a sua credibilidade abalada, já nem sabia mais a quem processar. E o bando do banqueiro decidiu: a hora perfeita de sumir com as crianças, dar o golpe final no juiz e tornar o patrão um herói nacional era aquela.

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