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quinta-feira, 12 de dezembro de 2019

TADEU E MARIETA - Parte 8


Tudo isso foi acontecendo ao longo de um ano muitas décadas atrás, o que dá para imaginar como todos os fatos apontados mexeram com a cabeça das pessoas e da sociedade. No segundo mês os seqüestradores fizeram o primeiro contato sem nada exigirem, apenas ganhando tempo e dando provas de que estavam em poder das crianças. As mães delas se demonstraram arrasadas no começo, mas paulatinamente retornaram às suas atividades normais: restaurantes, fofocas, lojas, viagens e amantes. O juiz, conforme esperado, pediu licença do tribunal e passou a se dedicar plenamente ao acompanhamento das investigações, chegando inclusive há passar um tempo na Europa para assessorar a Interpol, enquanto era monitorado permanentemente pela polícia daqui. Já o banqueiro seguiu o scriptreligiosamente e no sexto mês do seqüestro ofereceu duzentos milhões de reais para os bandidos libertarem as duas crianças. O tempo passou sem que as negociações avançassem, pois os malfeitores a cada momento faziam as solicitações mais estapafúrdias. Um ano depois do seqüestro o corrupto empresário chamou a imprensa para uma coletiva onde aos prantos afirmou que daria um bilhão de reais pela libertação de Tadeu e Marieta, já que as exigências dos bandidos eram sempre descabidas. O tiro saiu pela culatra. Tal soma inusitada de dinheiro provocou uma corrida ao ouro pelo país inteiro. Centenas de pessoas passaram a procurar os jovens e os criminosos achando que aquilo era uma recompensa, o que fez os mentores intelectuais do crime decidirem que teriam que esperar mais um ano para a poeira abaixar, matarem Marieta e salvarem Tadeu.

O período em que passaram na fazenda, por incrível que pareça, foi o melhor da vida dos dois amantes que completaram oito e nove anos de idade enquanto estavam naquele cativeiro rodeados pela natureza. Durante a noite os dois ficavam praticamente o tempo inteiro no quarto depois da janta vendo TV, brincando de videogames, estudando e transando muito. E pela manhã desfrutavam tudo o que a fazenda poderia oferecer de bom e do melhor. O contato diário com a terra, ar puro, água e animais faziam um bemenorme para Tadeu e Marieta, que namoravam sob os olhares distantes, mas vigilantes dos bandidos. Nadavam nus no lago de águas límpidas, faziam piqueniques na beira do rio, subiam nas árvores para pegar frutas, ordenhavam as vacas logo cedinho para tomar o mais puro leite, passeavam a cavalo desbravando novas trilhas e às vezes ajudavam os caseiros a arrumarem a casa. Mas aquela paz estava fadada a terminar cedo ou tarde. E em uma noite fatídica os caseiros apavorados foram até o quarto das crianças escondidos para contarem que sem querer tinham ouvido uma conversa tenebrosa. O chefão do bando -falaram o nome do banqueiro que tinhamescutado sem saber quem era - havia autorizado os criminosos a matarem Marieta em breve. Eles fariam parecer um acidente, tipo uma picada de cobra, algo comum na região.Tadeu e Marieta estarrecidos pela notícia tomaram uma difícil, mas corajosa decisão no mesmo instante: iriam fugir dali naquela madrugada.

Os caseiros convivendo com as crianças naqueles dois anos acabaram se afeiçoando a elas como se fossem os próprios filhos. Tadeu e Marieta também criaram grande amor e respeito por eles, que tinham lhes ensinado segredos da vida rural com toda a paciência. O plano tinha que ser muito bem executado para que nenhuma culpa recaísse sobre o casal de amigos. Durante a noite as crianças eram trancadas no quarto e naquela época, depois de tanto tempo, apenas dois guardas faziam a vigília. Um ficava na sala da casa, próximo ao corredor dos quartos e sempre adormecia. O outro ficava fora na porta da frente. Também dormia, mas despertava a cada três horas para fazer uma ronda ao redor da casa sede. A casa ficava no alto de uma colina e no início da ladeira que a ela dava acesso permaneciam estacionados sempre três automóveis. O possante Jeep e um carro menor pertencente aos bandidos, além da velha caminhonete dos caseiros. Os outros quatro criminosos descansavam a noite inteira nos diversos aposentos da casa despreocupadamente. Após dois anos vigiando aquelas crianças que nunca causaram um problema sequer, nenhum dos seis bandidos tinha qualquer cuidado maior com a vigilância, o que facilitou deveras a fuga. Com ferramentas roubadas dos malfeitores pelo caseiro, Tadeu forçou a tranca da janela e escapou a primeira vez na madrugada para furar os pneus e esvaziar os tanques de gasolina do carro menor e da caminhonete. Enquanto isso Marieta preparava as mochilas com roupas, bonés, vários cantis de água, mapas, caixas de primeiro socorros, alguns alimentos não perecíveis e um pouco de dinheiro oferecido pelos amigos. No meio da madrugada, avisados que o caminho estava livre, Tadeu e Marieta entraram no jeep. Tadeu assumiu o volante, soltou o freio e o automóvel desceu a ladeira da colina alcançando ótima velocidade para pegar no tranco já bem longe na estradinha de terra. Enquanto os bandoleiros dormiam tranquilamente e os caseiros comemoravam o sucesso inicial da escapada, o automóvel pilotado pelo menino de nove anos, ajudado pela sua navegadora também de nove anos, corria pela estrada levantando poeira rumo a Cuiabá, a quase cem quilômetros dali.

Quando os delinqüentes acordaram e descobriram a fuga de Tadeu e Marieta, ficaram petrificados e ligaram imediatamente para o chefe. A ordem, sem dó nem piedade, foi a de matar os caseiros e empregados, destruírem provas do crime e desaparecerem. Outros assassinos baseados na região mais próxima à capital de Mato Grosso iriam perseguir as crianças. O único detalhe que falhou é que os caseiros também haviam fugido pelo mato que conheciam como ninguém. Os meliantes omitiram essa informação aos chefes, terminaram o serviço e realmente sumiram. Com certa dificuldade em pilotar o grande Jeep devido aos seus diminutos tamanhos, os amantes fugitivos foram alcançar as proximidades de Cuiabá no final da manhã. Um publicitário paulistano que estava nessa época por lá para organizar o evento de lançamento de uma indústria cervejeira que seria construída na periferia da capital mato-grossense, viu quando um Jeep esverdeado andava devagar pelo início da estradinha que ligava a rodovia ao terreno da fábrica. O carro foi falhando, falhando, até morrer definitivamente, provavelmente por falta de gasolina.

De repente ele divisou duas crianças com bonés, cantis e mochilas nas costas pularem do automóvel e correrem de mãos dadas cortando caminho pelo terreno de lama e pedras até chegarem perto da obra onde ele estava. Eram um menino de cabelos e olhos negros e uma menina loiríssima de olhos verdes, ambos com a pele bem bronzeada como os habitantes locais, mas com cara de forasteiros. A dupla se identificou como fugitivos de um seqüestro e pediu ajuda. Imediatamente o publicitário colocou-os no carro da companhia e rumou para a cidade no intuito de levá-los até a delegacia mais próxima, onde achava que eles estariam em segurança. Quando o carro do novo amigo já havia passado pelo Jeep, dois automóveis repletos de homens mal encarados brecaram perto dele subitamente. Quatro bandidos armados desceram para vistoriar o carro finalmente encontrado. O outro carro foi cantando pneus até a obra, no instante em que a perua da companhia dirigida pelo publicitário rumava pela rodovia no sentido de Cuiabá.

No caminho as crianças disseram que se chamavam Tadeu e Marieta, que se amavam desde o berço, faziam sexo alucinadamente desde os cinco anos, haviam sido seqüestradas aos sete anos, tinham descoberto o mandante do crime e fugido da fazenda aos nove anos de idade. Resumiram toda a história deles sem contar que o banqueiro, pai do garoto, estava envolvido, porque não existia vingança ou ódio nos corações delas, mas mesmo assim o publicitário ficou espantado com o que estava ouvindo. Chegando próximos da cidade as crianças viram um grande posto e restaurante de beira de estrada e pediram para o motorista amigo parar, pois precisavam ir ao banheiro. Mesmo a contragosto, pois julgava demasiado arriscado parar e permitir que os malfeitores os alcançassem, o rapaz atendeu aos anseios das crianças. Ficou aguardando no carro, mas o que viu foi Tadeu subir numa moto de alguém que lanchava no restaurante. O menino acionou o motor com uma ligação direta, afinal essas coisas eram brincadeiras para um pequeno gênio. Marieta subiu na garupa e as crianças foram pela estrada com a moto empinada rumo à rodovia enquanto o dono do veículo gritava e chamava atenção de todos no posto.

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