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sábado, 14 de dezembro de 2019

O NEGÃO


Poderia ser o orgulho da raça negra. Dono de uma pele tão densamente escura que reluzia e ofuscava quaisquer olhares admirados ou menos admirados, preconceituosos ou despojados, invejosos ou salutares. Era impossível que não chamasse a atenção dos passantes. Enorme de altura, forte e atlético, desfrutava de feições delineadas por um artesão que o moldara rústico e delicado nos pontos certos. Passeava seu ar nobre sem ser arrogante, sabedor que a sua presença despertava desejo nas mulheres e impunha respeito nos homens. Aproveitava muito bem esse poder em seu trabalho de modelo, que vestia durante as vinte e quatro horas do dia como uma armadura, sempre pronto para o embate com um mundo discriminador em todos os sentidos.

Era sempre escolhido para fotografias ou desfiles onde apresentasse o corpo talhado em horas e horas de academia. Bastava tirar a camisa e mostrar o dorso apolíneo que os suspiros do mulherio eram ouvidos sem dissimulação. Isso acontecia em todas as ocasiões. Certa vez foi contratado para um desfile de peças íntimas masculinas, vulgarmente conhecidas como cuecas. Exigiu camarim exclusivo e apenas a presença dos pais foi permitida para ajudá-lo nas trocas de peças. Nesse dia, no auge da forma esplendorosa, o evento foi tão divulgado que a notícia se espalhou rapidamente pela cidade. O público compareceu em tão grande número que superlotou o lugar. Filas se formaram na porta, tumultuando o trânsito na rua. Até cambistas surgiram para vender ingressos do desfile que era só para convidados. Foi preciso chamar a polícia para acalmar os ânimos dos mais exaltados e coibir o ímpeto libidinoso das mais desavergonhadas.

Rico, por ser integrante de uma família abastada e tradicional, inteligente pelo privilégio do estudo realizado nas melhores instituições até o terceiro grau, os promotores de eventos, festas e coquetéis o disputavam. Costumava ser celebridade cobiçada pelos principais organizadores de camarotes de shows e do carnaval. Aceitava os convites de acordo com os seus interesses, aproveitando para beliscar um contrato de publicidade ali, uma ponta numa novela aqui, uma participação num longa-metragem acolá, desfiles nas principais capitais do mundo da moda. Mulheres e homens se insinuavam para ele. Queriam se entregar nos corredores, nos banheiros, nos jardins, nos motéis, nos salões, nos flats, nas piscinas das mansões. Gente casada, gente solteira, gente viúva, gente divorciada, gente amigada, gente sozinha ou gente acompanhada, todos queriam descobrir o sabor daquele maravilhoso afro-descendente de raríssima estirpe.

Entretanto, um mistério rondava a sua singular personalidade. Nunca se soubera de um namoro dele de qualquer tipo. Flertava sem parar, paquerava como um mestre e destruía corações em todos os ambientes, mas nunca fora visto saindo com alguém. Paparazzis o perseguiam sem trégua e nada. Não era possível aquele espécime de Adônis viver sem um par. Contrataram detetives, em vão. Não descobriram ninguém. Apelaram para garotas de programas, gigolôs e festas de embalo sem alcançarem o objetivo. Ele não se entregava a mulher alguma. Permanentemente sóbrio, não corria riscos. Não se sabia de qualquer pessoa que tivesse tido o privilégio de ter com ele compartilhado uma noite intensa de sexo e amor. Era desconhecido que alguém o tivesse visto completamente despojado de roupas. Convidaram-no a fazer um filme pornô e ele gentilmente explicou que não era o seu estilo. Recusou uma fortuna ao negar a participação em um ensaio nu para uma revista gay.

Mas ninguém sabia a aflição que se passava no interior daquele jovem e talentoso negro, um homem bem sucedido que se recolhia transtornado todas as madrugadas à solidão da sua alcova. É que ele portava um sério problema que não conseguia superar desde criança, quando havia conquistado um apelido. Sim. Ele se envergonhava, sendo um negão que podia se orgulhar de tudo na vida, de um particular fato: tinha o pau pequeno, muito pequeno, verdadeiramente minúsculo, uma arremedo de tecido peniano, uma vírgula diminuta, quase que um clitóris, tão ínfimo era o seu pau!

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