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quinta-feira, 12 de dezembro de 2019

TADEU E MARIETA

Tudo começou quando Tadeu e Marieta foram colocados no mesmo berço. Tadeu olhou para a nenê loirinha, linda, rechonchuda, de bochechas rosadas, olhinhos verdinhos como natureza, perninhas cheias de dobrinhas e imediatamente abriu o sorriso sem dentinhos. Marieta também sorriu sem dentinhos ao ver aquele bebezinho bonitão, gorducho, quase balofo, sem blusinha, de cabelos e olhos negros como a meia noite e imediatamente ofereceu sua chupeta para Tadeu. Sabe o que é isso? Um bebê abrir mão da sua chupeta para oferecer a outro bebê? É o maior gesto de desprendimento possível entre bebês. Nunca ninguém descobriu, mas existe um código de ética entre os bebês. Não se rouba ou chupa a chupeta alheia, pois a chupeta é a melhor amiga, o grande conforto dos recém viventes. As pessoas crescem, ficam adultas e adúlteras, duras de coração e de bolso e esquecem as chupetas que tanta companhia lhes fizeram nos momentos assustadores da escuridão de um quarto monstruosamente grande, onde eram largadas por momentos infindáveis até que o desespero lhes fazia desentumecer as gargantas, rasgando-as com um choro ensurdecedor que transcendia das casas para ouvidos vizinhos. É claro que talvez até inconscientemente, algumas pessoas adultas acabam buscando alternativas de conforto chupatório, como cigarros, pirulitos, sorvetes, balas, chicletes e aquilo, sim aquilo que vocês mulheres sabem muito bem, o maior substituto das chupetas quando as mulheres crescem: o, o, o.......................chocolate! Bem, nada disso vem ao caso nesta história, cada uma que coloque na boca o que quiser, foi apenas uma divagação para aumentar este parágrafo enquanto eu penso o que vou escrever no segundo!

Voltando ao que interessa, Tadeu pegou e colocou a chupeta de Marieta na boca com muito gosto. Tirou-a de olhinhos arregalados porque tinha um sabor muito diferente da chupeta dele.Esta era doce, suave, agradável demais. Não sabia raciocinar direito, mas se soubesse certamente estaria pensando que nunca trocaria aquele sabor da chupeta de Marieta por nada neste mundo. Imediatamente, num outro gesto de desapego e carinho, Tadeu ofereceu a chupeta dele para Marieta, que a aceitou prontamente colocando-a avidamente na boquinha. Ficou espantada e estranhou o sabor meio ácido e um pouco amarguinho da chupeta do amiguinho, mas insistiu, começou a gostar, foi gostando pra valer e passou a gostar muito. Não deixaria ninguém nunca mais tirar aquela chupeta dela. Ficaram assim, sentadinhos um na frente do outro com as chupetas e vários brinquedinhos, até Tadeu de repente ficar vermelho, muito vermelho, parecendo que ia explodir. Era um terrível e mal cheiroso coco. Não um mero cocozinho, mas um coco digno de um homenzarrão após uma faustosa feijoada.

A emoção do encontro com Marieta havia mexido profundamente com o menino, pois as mulheres são mais fortes desde tenras idades. Sexo frágil o escambau! Feito este desabafo digo que um nenê emocionalmente abalado tem duas armas poderosas: se esgoelar num choro estrondoso ou produzir um poderoso e mortífero coco. Tadeu havia caprichado, pois o fedor atravessou o quarto e chegou às narinas maternais de ambas as crianças, que mantinham uma conversação genérica sobre a banalidade e futilidade das pessoas há cerca de três horas e meia. As ricaças tamparam os respectivos narizes e correram para o berço onde estavam os babys. Quando elas chegaram Tadeu iniciou a segunda etapa da sua ação, começando a chorar estridentemente. Mas o cheiro do coco de Tadeu havia entrado pelo delicado sistema olfativo de Marieta que no início ficou paralisada, mas quando as mães já estavam com os dois nos respectivos colos começou a vomitar em certeiras golfadas, enlambuzando caras e roupas das mulheres que não sabiam se acudiam as crianças ou ficavam histéricas. Elas resolveram, como exemplares dondocas, ficar histéricas e chamar as babás para resolverem a perturbadora situação. As zelosas funcionárias limparam as crianças que foram se acalmando paulatinamente, enquanto as mães retornaram para a conversação veemente a respeito das pessoas inativas e ociosas. Ninguém percebeu que Tadeu e Marieta haviam trocado as chupetas e foi assim que um começou a se acostumar com o gostinho do outro.

Tadeu nascera filho de um poderoso banqueiro e empresário, temido pela extrema frieza nos negócios. Gente para ele não significava nada. Utilizava de todos os artifícios lícitos e ilícitos para aumentar suas riquezas. O grupo empresarial que presidia já fora acusado dos delitos mais variados como suborno, fraude, infrações trabalhistas, transações ilegais no exterior, evasão de divisas, sonegação de impostos e até contrabando, respondendo a inúmeros processos cíveis e criminais. Marieta era descendente de um implacável juiz federal considerado incorruptível, especialista em crimes financeiros. Também para ele gente não significava nada. Membro atuante e respeitado em todas as esferas da sociedade, perseguia políticos corruptos e empresários desonestos. Adversário número um dos “crimes do colarinho branco”, lutava firmemente contra a impunidade.

Nem preciso dizer que o banqueiro e o juiz eram inimigos mortais. O juiz há anos tornara-se responsável pelos processos escandalosos que envolviam o banqueiro, mas nunca conseguira chegar até ele ou aos escalões mais altos do grupo. Como tudo aqui mistura realidade e ficção, gostaria de deixar claro que não há nenhuma referência a pessoas conhecidas, mesmo porque todos os juízes são incorruptíveis, afinal eles aplicam as leis, e nenhum banqueiro é ladrão, afinal eles guardam o nosso dinheiro, não é?

Mas nesta estória, certamente real era o amor de Tadeu e Marieta desde a cena do berço. Por uma ironia do destino as mães das crianças tornaram-se amigas desde a adolescência e ficavam completamente alienadas ao que acontecia com os respectivos maridos. Não ignoravam o fato de que eles se detestavam, mas elas mantinham a amizade. As mansões das duas famílias situavam-se na mesma rua, uma de frente para a outra e os patriarcas, que se dedicavam muitas horas por dia aos seus trabalhos, não tinham a menor noção do que faziam ou não faziam suas madames, nem imaginavam que seus pimpolhos estavam desde nenês se apaixonando. Mas mesmo que Tadeu e Marieta soubessem que este romance poderia virar uma tragédia pelo profundo ódio nutrido por seus pais, não resistiriam aos apelos de um amor que brotara tão naturalmente e fora crescendo junto com eles. O imbróglio não é original, mas quando eu continuar falando como as crianças foram se apaixonando mais e mais você vai saber que nunca viu nada igual.

Certo dia as madames estavam verificando as respectivas agendas, as agendas de seus cães e gatos que tinham cabeleireiros, dermatologistas, adestradores, personal trainers, aulas de natação e festinhas de aniversários marcadas e também as agendas dos filhos adolescentes que estavam repletas de cursos e atividades. Olhando com atenção elas descobriram que sobrava uma brecha três dias da semana das onze até as quinze horas. As duas amigas resolveram então ocupar os preciosos tempos discutindo suas ações filantrópicas para manutenção e tratamento dos cavalos da hípica paulista, ou avaliando suas performances nos cursos de pintura rupestre em cerâmica chinesa, também comentando as últimas novidades em cremes faciais e tratamentos estéticos desenvolvidos por um ilustre cientista indiano e até acompanhando o concurso de paisagismo em jardins de mansões promovido pela revista Varas, coisas assim importantíssimas às quais elas se dedicavam com afinco. Além de almoçarem um cardápio variado de comidas francesas, suecas, alemãs, japonesas, baianas, portuguesas e mineiras, culinárias supervisionadas por renomadas nutricionistas, uma vez que as megeras tinham que manter os corpinhos em forma para desfilarem seus vestidos europeus nos ambientes requintados que freqüentavam. O primeiro dia de colóquios e almoço havia sido aquele onde as crianças tinham sido colocadas no mesmo berço, mas os acontecimentos do coco e do vômito atrapalharam tudo. Ficaram de dar seqüência às ações outro momento.

Enquanto isso, os dois inimigos estavam em apuros. O banqueiro havia sido grampeado e pego falando barbaridades com um amante. Sim, um amante homem! Queriam descobrir as falcatruas, as armações, os complôs do cidadão e acabaram descobrindo que o banqueiro mantinha um caso homossexual! Mas o que um juiz incorruptível iria fazer com uma informação dessas? Nada, é claro. Dono de rígida conduta moral, segundo os seus conceitos e preconceitos, ainda destruiria as provas para resguardar os direitos do empresário e aquilo que considerava ser pertinente aos bons costumes sociais. Mas é claro também que um jornalista, essa raça quase tão sórdida quanto os advogados, bandidos e dentistas, conseguiu uma cópia da gravação ninguém sabe como e passou a chantagear o banqueiro. Não bastasse isso ainda afirmava que agia respaldado pelo Juiz. Por sua vez o Juiz acabara de sofrer uma tentativa de seqüestro em plena Avenida Paulista, com imagens dignas de Hollywood: tiroteios com armas de grossos calibres e metralhadoras, carros blindados capotando, bombas, perseguições pelas avenidas laterais, morte de populares, policiais, seguranças e bandidos, carros derrubando postes, sangue espirrando para todo lado. Fora uma gritaria desesperada, um verdadeiro inferno. Um único bandido acabara preso e confessando espontaneamente, após ser levemente espancado e torturado com delicadeza, que o mandante da tentativa frustrada fora o banqueiro. Tudo isso acontecera simultaneamente enquanto Tadeu e Marieta, isolados nos berços de suas mansões, sugavam com muita volúpia as chupetas trocadas sem imaginar as fortes emoções que viveriam. Foram se acostumando cada vez mais com o gostinho um do outro.

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