Não sei o que está passando na cabeça de quem está
acompanhando esta história. Aliás, muitas vezes nem sei ao certo o que está
passando na minha própria cabeça, tantas são as coisas que nela circulam. Mas
saibam que esta é, antes de tudo, uma história de amor. E como todas as
intensas e verdadeiras histórias de amor, esta também envolve paixão, desejo,
lirismo, inveja, ciúme, sexo, brigas, ódio, vingança, poesia e morte, porque
amor é a essência da vida e tudo o que nela está contido acontece nas histórias
de amor. Você acha que eu estou exagerando e inventando que Tadeu e Marieta
começaram a se apaixonar no berço e aos nove anos enfrentaram o mundo pelo
amor? Eu só estou contando esta história porque fico emocionado ao lembrar que
vi Tadeu e Marieta, dois pequenos amantes, correndo de mãos dadas por uma
estrada de terra nos cafundós do centro-oeste brasileiro com muita gente ruim
atrás deles, tentando capturá-los. Essa imagem não mais saiu da minha cabeça e
enche os meus olhos de lágrimas. Foi assim que fiquei sabendo deste romance
incrível. Talvez você desdenhe, talvez você tenha perdido o romantismo ou
endurecido o coração com o passar do tempo. Não posso julgar os seus motivos,
mas nunca duvide do amor. Não duvide do amor só porque os personagens são dois
nenês. Poderiam ser dois anciãos e daí? Bebês e anciãos não podem amar? Se Deus
desse alma às pedras até as pedras amariam, se não tivessem os corações
endurecidos. Não duvide.
Chegou o esperado dia das mulheres se encontrarem, portanto
as crianças teriam oportunidade de também estarem juntas. O colóquio das duas
rolava com a profundidade de uma gota de água na pia de uma cozinha, quando as
senhoras mandaram umadas babás darem banho nos nenês e prepará-los para o
almoço. A prestimosa babá preparou a banheira com água em temperatura
agradável, colocou sabonetes, xampus e toalhinhas ao lado e vários
brinquedinhos para os bebês se distraírem. Ela pôs as crianças na mesa de apoio
e passou a despir Tadeu com ternura, sob os atentos olhinhos brilhantes de
Marieta. O menino ficou peladinho e a babá fez o mesmo procedimento com
Marieta, que também ficou peladinha sob os muito atentos olhinhos sorridentes
de Tadeu.
Eu sou obrigado a fazer nova pausa, antes que alguma mente
malévola ou pervertida comece novamente a pensar bobagens achando que lá vem
sacanagem na seqüência deste causo, mas não é assim não, já falei que esta é
uma história de amor. Lógico que os amantes fazem muita sacanagem juntos e não
será diferente com Tadeu e Marieta, mas não agora, uma vez que eles só
começaram a fazer sexo loucamente aos cinco anos de idade e aos nove os dois
enfrentaram o mundo pelo amor.
Neste momento maravilhoso onde as crianças descobriram seus
corpinhos nus, não teve sacanagem não. Teve é uma atração misteriosa, mística e
quase sagrada de um pelo outro. Quem acredita ou já viveu uma história de amor
à primeira vista sabe que estou dizendo uma verdade absoluta e que isto é
possível. E muito mais ainda com bebês, a pureza humana ainda não corrompida.
Tadeu e Marieta quando se viram juntos e peladinhos naquela banheira, sentiram
a alegria imensa dos que vivem e se conhecem há anos e ainda tem prazer em
compartilhar os momentos mais simples com o parceiro. Sentiram aquela
cumplicidade que somente os amantes que se tornam amigos acima de tudo alcançam
em suas vidas. Sentiram o que sente quem vive aqueles romances que não são de
fachadas só para comemorar bodas de ouro e trocar alianças novas, quando as
alianças das almas envelheceram e se perderam há muito tempo. Tadeu e Marieta
conquistaram isso bebês, para inveja de toda a gente que não aceitou aquele
amor e para as cabeças maldosas que pensaram que iria acontecer muita sacanagem
neste capítulo, mas só viu a sensualidade natural de dois bebês peladinhos
brincando e se apaixonando ainda sem saber disso. As crianças se davam tão bem
que parecia serem uma só, respeitando os brinquedos que o outro brincava numa
sintonia perfeita.
Continuando a estória, Marieta deu um tapinha na água e caiu
naquela gargalhada deliciosa de bebê porque assustou Tadeu. Tadeu acabou
gostando da brincadeira e também deu tapinhas fortes na água, molhando o rosto
de Marieta que nem ligou. E assim, brincando e gargalhando na banheira, Tadeu e
Marieta foram se acostumando um com o corpinho do outro.
Três anos se passaram e as desavenças entre os dois ferrenhos
adversários só aumentara, tornando-se de interesse público. A contenda era constantemente
divulgada pela imprensa em geral. O jornalista que chantageava o banqueiro
havia morrido de causas naturais - naturalmente provocadas por espancamento
numa madrugada em que chegava à sua residência. Pelo caráter duvidoso e pela
quantidade enorme de desafetos que ele tinha o caso logo fora esquecido e
arquivado. Quanto ao bandido que acusara o banqueiro de ter contratado o seqüestro
do juiz, também acabara tendo morte súbita. Numa briga entre detentos uma faca
fora enfiada no peito dele até o cabo. Assim o caso do seqüestro também acabou
encerrado por falta de provas. Mas o que deixou o Juiz definitivamente
injuriado e possesso foi ver nas revistas de celebridades fotos do banqueiro
passeando na Europa. E o namorado dele também estava por lá!
Os homens se fustigavam e as esposas mantinham a firme
amizade. Agora, além das conversas vazias, trocavam confidências sobre os seus
amantes e ainda por cima perto das crianças, agindo como se elas não estivessem
ali. Uma transava com o jardineiro e a outra com o motorista. Contavam
animadamente os detalhes de suas perversões sexuais e ficavam enrubescidas,
como se realmente tivessem alguma vergonha. No meio das brigas dos pais e da
promiscuidade das mães, Tadeu e Marieta se distanciaram de tudo e foram
solidificando a atração que nascera entre eles no berço. Aos três anos de idade
o melhor momento da vida deles era quando estavam juntos, o que esperavam com
extrema ansiedade. A separação era sempre dolorida e deixava as crianças
amuadas, sem a mesma vontade de brincar ou comer. As babás percebiam isso sem
dar importância ao fato.
O mundo era diferente para Tadeu e Marieta quando estavam
lado a lado. Brincar passava a ter um significado especial. Cada peça dos
joguinhos ganhava vida saltando para as suas mãozinhas, como vida ganhava o
sorriso delas se divertindo para valer. A comida mudava de sabor, os aromas e
os temperos se realçavam. A hora do banho então era uma delicia e assim eles
cresceram como se fossem dois indiozinhos, sem que a nudez de ambos pudesse ser
algo estranho ou pecaminoso. A intimidade que as crianças iam construindo era a
intimidade da inocência e dos apaixonados que se entregam totalmente. Muito
cedo em suas vidas seriam obrigadas a perder essa ingenuidade infantil, porque
haviam conquistado um amor maduro que assustaria e chocaria pais, mães,
vizinhos, religiosos, professores, pais dos coleguinhas da escola, policiais,
médicos, psicólogos, a opinião pública e até a imprensa. Os pais, de forma vil
e canalha, movimentariam todos os recursos para impedir o romance e afastar as
crianças.
Alheios a isso, numa dessas brincadeiras após o banho Tadeu e
Marieta limpinhos e cheirosinhos brincavam no tapete da sala em harmonia de se
admirar. Só um artista com o refinamento de um Eugene Delacroix ou a
expressividade densa de um Van Gogh poderia reproduzir inteiramente a beleza da
cena dos dois pimpolhos transbordando alegria. Eles se abraçavam, pegavam,
empurravam, apertavam e gargalhavam, até que Marieta tropeçou e caiu em cima de
Tadeu, que foi de costas ao chão segurando a amiguinha em seus braços. Sem
querer os lábios deles se tocaram. O tempo pareceu parar e eles ficaram
imóveis. Nunca os olhos das duas crianças haviam chegado tão perto. Os olhos
verdes de Marieta e os olhos negros de Tadeu acenderam uma luz tão intensa que
iluminou todo o ambiente.
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