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sábado, 14 de dezembro de 2019

O MENDIGO - Parte 5

Depois de meia hora esperando um táxi pegou justo um em que o motorista não parava de falar. Ele todo machucado e preocupado com a reunião estava enfastiado com aquele papo imbecil. Chegando ao destino pagou o táxi e foi entrando pela porta principal da companhia, na direção do elevador privativo dos diretores. Excepcionalmente o seu crachá não liberou a catraca para ele acessar o saguão. Isso já era demais. Aos berros mandou chamarem o responsável pelo RH. Depois de longo tempo veio o gerente careca, de óculos e suspensórios. Vinha carregando uma caixa com todos os pertences pessoais que estavam na sala do vice-presidente de finanças, ele, José. Entregou a José uma carta de demissão sumária por justa causa e uma intimação comunicando que por desvio de verbas, desfalques, negociações fraudulentas e subornos em licitações, a empresa movera um processo contra ele. O velho gerente do Rh, tentando dar uma força, comentou com José que ele havia sido denunciado pelo próprio assistente. Ficou pasmo com mais esse episódio esdrúxulo, pois se julgava inocente desses crimes. O máximo que fizera fora receber indevidamente grandes comissões de negócios, presentes de fornecedores e concorrentes. Era errado, claro, mas crimes menos graves do que as falcatruas feitas por outros diretores. Era uma armação e ele entrara de “laranja” no caso. Naquela situação só lhe restava procurar um ótimo advogado e partir para a briga. Pegou a caixa e retirou-se transtornado.

Andou pela rua desesperado, tentando conversar com alguns amigos pelo celular. Nenhum o atendeu, pois eram todos ex-colegas de trabalho. Aliás, a vida toda ele só se dedicara com afinco ao trabalho, por isso a sua família e o seu casamento tinham falido. Precisando desabafar, relutou, relutou, mas resolveu ligar para a esposa desleal, que nem deixou ele falar nada, foi logo expondo que queria a separação em caráter irrevogável, portanto tinha entrado com uma ação de divórcio litigioso há meses. Um oficial de justiça entregaria a ele uma citação proibindo-o de chegar próximo da residência deles, decisão do juiz porque ela alegara maus tratos e agressões a ela e aos filhos, além de afirmar que ele estaria dilapidando o patrimônio da família em jogatinas. Ela tinha vendido as ações e as jóias e depositado o dinheiro junto com toda grana existente no cofre numa conta aberta no exterior. Avisou que na ação judicial ela reivindicava a residência, o sítio, a casa na praia, o Renault, a guarda dos filhos e dos cachorros. Era para ele ficar com a Ferrari, a Pajero e todo o dinheiro existente na conta no banco, que era uma fortuna. Aliás, ela recomendava a ele ver qual o problema com o banco, pois o gerente avisara que a conta fora bloqueada pela justiça e ela nem tinha se interessado em saber os motivos, era outro caso. Sugeriu que ele fosse para um flat que ela providenciaria o envio das roupas dele. Terminou comunicando que ela e dois jovens amigos iriam viajar num tour pela América Latina. E desligou.

José, completamente atordoado, sentou no meio fio e começou a chorar. Era o fim de tudo. Abandonado, roubado e enganado pela família e pela empresa, chegara ao fundo do poço. Agora sim, nada pior do que isso poderia acontecer, imaginava ele, quando ouviu gritos histéricos. O banco em frente sofria um assalto bem naquela hora. Sirenes da polícia ensurdeceram os seus ouvidos. Os soldados desceram das viaturas atirando e os assaltantes responderam com armas de grossos calibres. Era bala pra cima e pra baixo, gritaria, vidros quebrando, gente correndo, gente se escondendo, sangue pra todo lado, cenas de horror. Em meio ao tiroteio, José, que chorara copiosamente, se acalmara se destacando no meio daquela balbúrdia. Já sabia que nem adiantaria fugir, ficou aguardando as balas no seu corpo já tremendamente debilitado. Voltou à consciência numa maca depositada no chão frio de um hospital público. Os assaltantes tinham roubado sua carteira com todos os documentos, dinheiro, cheques e cartões. Era o que faltava, ele virar um José ninguém. Estava ali há três dias, duas balas o tinham alvejado. A sisuda enfermeira explicou que era ótimo ele ter acordado para liberar a maca a outro indigente. Ele pensou vários palavrões, mas achou melhor nem responder e guardar suas forças. Um dia depois recebeu alta, na verdade foi expulso do hospital pela enfermeira, agora carregando os curativos do acidente automobilístico e os dos projéteis do assalto, fora o do corte da gilete e sem falar que sua alma muito, muito ferida precisava urgentes cuidados.

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