João acordou
super cedo. A Casa! resplandecia com a porta e as janelas da frente abertas
para o sol. Ele olhou para o portão da garagem e constatou que estava com o
cadeado. Achou engraçado, ele tinha a certeza de que havia trancado a porta da
frente na noite anterior. Pegou as mochilas, colocou nas costas, carregou o
case com o violão e entrou no novo lar. Foi um choque para João. A sala era
muito espaçosa e modernamente mobiliada. Ele jogou as mochilas nuns almofadões e
sentou-se num sofá de quatro lugares extremamente confortável. Ao lado
ornamentava o ambiente um vaso com plantas exóticas e uma mesinha de madeira
rústica no canto. Olhou ao redor e pasmou. Próximo da mesa de jantar com tampo
de vidro e pés de madeira esculpida descobriu um barzinho repleto de bebidas,
balcão e banquinhos junto de um piano! Aquilo não podia ser verdade, João
reflexionou que estava sonhando. Não, não podia nem ser sonho, de tão irreal o
que estava vendo. Sentou-se imediatamente na banqueta frente ao instrumento
deslizando os dedos por suas teclas. Era um piano austríaco Carl Sheel In
Cassel preto, tipo armário, com luminárias, castiçais em bronze, teclado de
marfim e detalhes entalhados, fabricado no final do século XIX. O som foi
percorrendo todos os pontos da Casa!. A acústica era irrepreensível. João era
violonista, mas se virava bem ao piano e impressionou-se, pois nunca ouvira um
som tão perfeito como aquele fora de teatros. A Casa! sentiu-se fortalecida com
as notas musicais impregnando os ouvidos de suas paredes... O músico não
conseguiu sair daquele instrumento extraordinário por horas. Quando notou já
era mais de duas da tarde e ele nem fora conhecer o restante da Casa! ainda.
Tirou os dedos
do teclado, passou pelo banheiro e alcançou a portentosa cozinha. Abriu a
geladeira de duas portas e pulou para trás, por estar completamente abastecida
de comes e bebes. Um freezer lotado de alimentos congelados também o
deslumbrou. Foi devagarzinho abrindo os armários e os viu repletos de alimentos
não perecíveis de todos os tipos, panelas, talheres, pratos, copos. João
assustou-se e achou melhor ir embora. Aquilo tudo devia ter custado uma
fortuna. O velho motoqueiro procurador da Casa! devia ser um demente ou um
bandido em fuga para ter tanta coisa naquela residência e ter deixado tudo nas
mãos de um inquilino desconhecido, sem nem ter feito um acordo formal. Por
outro lado, o instinto curioso e arrojado de João nunca duvidava da sorte, não
a desprezava ou lhe virava as costas, para que ela não se ofendesse e o
desamparasse. Resolveu permanecer e aproveitar. Abriu uma latinha de atum e fez
um patê com maionese, tomate, milho e azeitonas. A gula o estimulou a fritar
umas batatas Golden Foods. Pegou o violão e o tocou ali mesmo na cozinha. Comeu
as batatas e cantou por horas, consumindo muitas cervejas e muitos cigarros.
Havia um armário repleto de caixas do vício tabagista. Só conseguiu se separar
do violão no início da noite.
Apanhou as
outras coisas do carro, subiu as escadas com o violão e as mochilas
acomodando-se num dos quartos da frente, onde pela janela viu o Fiat Fiesta
para quem acenou imaginando que ele tinha lhe piscado os faróis, numa
intimidade de antigos manos. Percorreu os outros quartos, todos suítes com
frigobar. No banheiro do seu dormitório teve outra surpresa. Uma Jacuzzi onde
relaxou por muito tempo até que um telefone tocou e não era o celular dele. Nem
havia auferido, mas a Casa! contava com um telefone. Colocou um roupão que lhe
serviu adequadamente, localizou o aparelho sem fio no corredor e o atendeu,
dizendo um sonoro, simples, objetivo e feliz alô. Do outro lado uma voz
feminina com um timbre mavioso, quase cantarolando respondeu: - “Seja
bem-vindo, a Casa! é sua.” Desligou. João estremeceu, não estava entendendo
nada. Que ligação tinha sido aquela? A voz tinha falado que a casa era dele.
Devia ser apenas retórica, claro, por ele ser um locatário. Achou que tinha
sido um engano, só podia ser. João deitou-se na cama, ligou seu lap top, pois a
Casa! contava com wifi e pensou que poderia ficar meses ali sem precisar sair
pra nada, só criando e filosofando. Adormeceu um sono tranqüilo e justo,
achando que realmente estava sonhando inclusive quando desperto.
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