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quinta-feira, 12 de dezembro de 2019

TADEU E MARIETA - Parte 5


Durante os vários meses seguintes as crianças passaram a transar diariamente sempre com aquela intensidade de pleno amor e se mostravam cada vez mais unidas em todos os lugares que freqüentavam. Simultaneamente o banqueiro continuou a bolar o seu plano de sequestrá-las para destruir os ânimos do juiz que nunca daria trégua aos seus negócios nebulosos e bilionários. Sabia que isso não poderia ser realizado sem uma análise criteriosa, um planejamento esmerado passo a passo. Estudou a ação minuciosamente por mais de ano. Nada poderia dar errado. Para ele a amizade das crianças tinha vindo a calhar e facilitaria o ato criminoso. O fato de envolver Tadeu, além de retirar qualquer suspeita dos seus ombros, daria a chance dele mostrar à sociedade o desespero de um pai comum em busca do filho, por quem ele afirmaria aos prantos que doaria toda a fortuna que acumulara na vida para tê-lo de volta. E saltaria aos olhos da opinião pública os seus esforços para também localizar a filha do juiz, mostrando o quão magnânimo e acima de rancores ele era. Aguardaria apenas Tadeu e Marieta crescerem um pouco para os problemas e cuidados com eles serem menores no cativeiro. Posteriormente daria um jeito de “salvar” Tadeu e se livraria da menina para sempre, deixando o juiz em frangalhos

As crianças estavam próximas dos seus sete anos de idade e a genialidade delas era muito menos comentada do que o romance que mantinham. Sim, porque agora efetivamente namoravam sem pudor e sem disfarçar na frente de qualquer pessoa. As mães estavam completamente por fora da vidinha delas, nem mais acompanhando os seus estudos, crescimento ou desenvolvimento precoce, muito menos o emocional de ambas. Na escola corria a fofoca pelos corredores que Tadeu e Marieta se amavam desde o berço e que faziam sexo desde os cinco anos de idade, assunto que foi tomando a força de um boato que se espalhou feito um vírus e começou a incomodar os pais dos outros alunos. Eles checaram com seus filhos e ao comprovarem a estória dos dois estudantes que namoravam desde pequenos, se assombraram ao saber que os dois faziam sexo alucinadamente todos os dias naquela tenra idade. Foi com extremada indignação que os pais se organizaram para reclamar com os professores. Estes, amordaçados há tempos pelo medo de retaliações do juiz e do banqueiro, resolveram dar um basta e solicitaram uma reunião emergencial de pais e mestres com a Diretoria e o Conselho da escola, visando providências enérgicas contra Tadeu e Marieta.

Como eram todos milionários, os iludidos acharam que somados poderiam enfrentar os poderosos. Havia uma corrente que queria pura e simplesmente expulsar as crianças do estabelecimento pelo comportamento inadequado, que segundo eles afrontavas as regras morais vigentes. Outra corrente, também agressiva, considerava as crianças como portadoras de distúrbios psicológicos, portanto iriam sugerir que fossem transferidas e internadas em escolas que tratassem de crianças especiais, ou seja, problemáticas e doentes mentais. Uma minoria conciliadora queria formar uma comissão para manter uma conversa franca com os pais e mães de Tadeu e Marieta e buscar orientações com especialistas para obterem recomendações de como conduzirem o caso sem causarem maiores danos às crianças, aos outros alunos ou à tradicional entidade de ensino. As mães de Tadeu e Marieta não foram convidadas para a reunião, mesmo porque estavam nas Bahamas torrando a fortuna dos pseudo-maridos com os amantes. Infelizmente acabou vencendo a corrente que pregava a expulsão sumária de Tadeu e Marieta. Três dias depois o juiz e o banqueiro receberam estarrecidos por correspondência o comunicado com a explicação dos fatos.

Quando o juiz leu o comunicado e as razões da escola, achou que era uma brincadeira de mau gosto. A sua filha amava um menino desde o berço, fazia sexo com ele desde os cinco anos de idade e agora, aos sete anos, ela o namorava acintosamente na frente das pessoas. Por isso Marieta estava sendo expulsa da escola que não admitiria mais tal comportamento, uma vez que isso estava tumultuando o ambiente do estabelecimento. Não bastasse, o tal menino era filho do banqueiro, um dos piores bandidos que já tivera oportunidade de conhecer. A estória era tão estapafúrdia que não tinha como ele acreditar, o que o fez rir descontroladamente, pensando que de qualquer forma colocaria o autor daquelas aleivosias na cadeia. Imagina só a sua Marieta com o filho do banqueiro, fazendo sexo e amando desde o berço. Aquilo era uma verdadeira palhaçada. Procurou a esposa infiel, mas é óbvio que não conseguiu encontrá-la. Resolveu telefonar para a escola e estupefato ouviu a confirmação da expulsão das crianças, bem como a exposição dos motivos. Ele ficou muito, muito nervoso, na verdade ficou histérico. Anos e anos na lida da justiça debaixo das maiores pressões defrontando perigos e finalmente alguém conseguira deixá-lo completamente fora de si. Bateu o telefone na cara da diretora prometendo providências enérgicas. Rumou para a sua casa soltando fogo pelas ventas. Não era possível aceitar que aquilo estava acontecendo.

O banqueiro leu o comunicado e surpreendeu-se com o teor do mesmo. O seu filho estava sendo expulso da escola por comportamento inadequado. Mas pelo que ele estava lendo, que se colocasse inadequado nisso! Ali estava escrito que Tadeu amava uma menina, a filha do juiz, desde o berço e fazia sexo com ela loucamente desde os cinco anos de idade. Agora, aos sete anos, esse comportamento de namorar descaradamente na frente de todo mundo ofendera toda a comunidade escolar, prejudicando o ambiente e tumultuando o aprendizado dos colegas. O banqueiro havia descoberto há tempos a grande amizade existente entre as duas crianças, o que lhe ajudaria muito na consecução do seu plano de acabar com o juiz, mas aquelas afirmações eram tolices. Ligou para o seu amante comentando o caso e o rapaz recomendou que ele falasse imediatamente com a escola. Ele telefonou para a diretora e ao ouvir a confirmação dos fatos descritos na carta transformou-se completamente, passando a ofender a velha mestra aos berros. Informou que iria acionar a justiça e desligou o fone bruscamente. Com sua personalidade reconhecidamente sem caráter, foi para casa pensando que talvez pudesse tirar proveito dessa situação disparatada que o ajudaria a derrubar o juiz. Convocou seus advogados e principais funcionários para uma reunião urgente em sua residência.

O juiz entrou em sua casa que nem um boi brabo pulando numa arena. Ao avistar Tadeu e Marieta agarradinhos namorando, quase teve um enfarte. O sangue subiu e desceu da sua cabeça três vezes provocando uma tonteira que o obrigou a sentar e ser abanado pela babá. A governanta também o acudiu levando um OldParr duplo que ele virou num gole. Demorou alguns minutos para que o homem conseguisse se controlar e raciocinar. Estava diante de duas crianças de apenas sete anos que estavam brincando de namorar, certamente com toda inocência e sendo vítimas da maledicência, incompreensão e despreparo daquela escola paga regiamente a peso de ouro. Caros seriam os valores que os intolerantes iriam despender pelos processos que ele moveria contra tudo e todos. Entretanto o maior desconforto que sentia é que o menino era filho do banqueiro. Isso era o pior de tudo na cabeça do juiz. Ele teria que agir com muito tato e firmeza para afastar as crianças. Mandou Marieta ir para o quarto e Tadeu ir embora para a casa dele, mas a menina esbravejou, fez birra, fez manha, gritou que não ia, bateu o pé, cruzou os braços e fez bico, enfrentando o pai com Tadeu ao seu lado encarando desafiadoramente o juiz. O homem, incrédulo, começou a passar mal de novo e foi socorrido com outra dose dupla de Old Parr.

O banqueiro era esperado pelos seus mais próximos e diretos assessores, todos brilhantes profissionais, mas gente de péssima índole. O bando estava a par e colaborava no planejamento do rapto das crianças. Com a chegada do chefe passaram a debater os novos fatos e quais as providências adequadas. Iriam entrar com uma liminar solicitando a reintegração imediata de Tadeu às atividades escolares, mas ao mesmo tempo abririam processos de injúria, calúnia, difamação e danos morais contra a escola, diretora, professores e toda a comissão de pais que havia participado da reunião. O banqueiro nem se lembrou de procurar o filho, sequer imaginando que naquela hora o menino estava enfrentando o juiz.

Depois de muito analisarem, concluíram que da parte do patrão as crianças não deveriam ser afastadas de forma nenhuma. Os advogados sustentariam que as crianças eram simplesmente amigas e que era impossível que elas se amassem desde o berço, afinal o que bebês e crianças de sete anos sabiam sobre o amor? A afirmação de que elas faziam sexo loucamente desde os cinco anos era uma grande bobagem e as pessoas que reafirmassem isso seriam devidamente criminalizadas. No final das contas o episódio iria contribuir para que o seqüestro das crianças alcançasse seus objetivos, portanto deveriam ultimar os preparativos e levar a ação a cabo.

Nunca ao longo de sua carreira ou da sua vida o juiz passara uma situação tão inesperada, inusitada, complicada e difícil. A sua frente estavam duas crianças de sete anos enfrentando-o como nunca nenhum criminoso ousara fazer. A sua filha afirmava a altos brados que amava Tadeu e que não iria se separar dele. O moleque abraçava Marieta e dizia amá-la demais, empinava o peito e continuava a encará-lo como se fosse um adulto. A babá tentava acalmar as crianças, a governanta não parava de abanar o juiz e ela mesma estava tomando uma dose dupla do whisky dele. Sem saber o que fazer naquela hora e com medo das crianças terem uma síncope, pediu para a babá e a governanta levarem Tadeu e Marieta para outra sala e ficarem com eles. Meditou sobre tudo o que ouvira das crianças e da diretora da escola. Analisou a complexa conjuntura e pensou que, naquelas circunstâncias, a escola era culpada por tudo ter chegado àquele ponto sem terem lhe avisado previamente. Resoluto, de pronto começou a fazer aquilo que melhor sabia: as providências jurídicas.

Acionou um colega causídico que imediatamente conseguiu com um juiz de plantão que fosse deferida uma liminar para reintegração imediata de Marieta às atividades escolares. Em outro documento a escola, o seu corpo diretivo, professores e membros da comissão de pais eram processados por abuso de autoridade, além das questões de danos morais e injúria. O juiz foi além e acionando os seus contatos na secretaria da educação, entrou com um pedido de suspensão do corpo diretivo do estabelecimento alegando conduta de rigor excessivo e irregular. Recomendou também para diversos órgãos governamentais que fossem efetuados levantamentos fiscais, contábeis, financeiros, educacionais e administrativos em todos os níveis da escola, o que traria sérios problemas àquela entidade estudantil, pois quaisquer irregularidades encontradas seriam exemplarmente punidas, correndo inclusive o risco de interdição e multas pesadíssimas. Depois dessas resoluções só faltava ao juiz mais uma atitude. Telefonar para o seu inimigo, o banqueiro!

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