Após o exame, onde usou todas as máscaras do consultório devido ao meu desagradável odor bucal, sentenciou: é canal. Com a minha sorte
logo pensei: vai ter canal de tv aberta, tv a cabo, internet, satélite, UHF.
Receitou-me um comprimido para diminuir a inflamação e marcou para a semana
seguinte o início das transmissões do canal, quer dizer, a execução da obra e
do mártir. Para minimizar a tensão do momento o carrasco falou que eu poderia
tomar as minhas cervejinhas e que não iria doer nada. Nele! Gargalhou
sonoramente e eu também gargalhei como se tivesse achado graça, com o ódio me
corroendo por dentro. Pedi o orçamento, analisei-o com ar despreocupado como se
fosse pagá-lo, ameacei deixar um sinal, o que foi prontamente recusado.
Despedimo-nos falsamente com um afetuoso abraço, ambos sabendo que o próximo
duelo poderia ser fatal.
A maldita
dor não passava nem com o comprimido receitado. Claro que vão dizer que demora
em fazer efeito, mas não é isso. Faz parte da tortura, para você não esquecer
em nenhum momento daquilo que te espera. Tentando me dissociar da dor comecei a
meditar provocando reminiscências da minha infância. Recordei que quando bem
pequeno quis seguir algumas profissões, como estas quatro:
Jogador de futebol: praticamente nasci com uma bola nos pés. Jogava futebol de manhã, de tarde e de noite. Fui campeão paulista, joguei no São Paulo, mas me aposentei aos 17 anos devido ao violão e às mulheres que já não me deixavam dedicar totalmente à vida de craque. Parei no auge da carreira, gesto repetido depois pelos Pelés, Zicos e Rivelinos que me seguiram.
Lixeiro: era bem miúdo e nossa família morava numa ampla casa térrea, vários quintais. Minha zelosa mãe não me deixava ir pra rua nessa época. Após me esbaldar nos quintais eu ficava grudado no portão da frente, com os braços pra fora, esperando o caminhão do lixo passar para ver os lixeiros correndo pelas ruas, livres, e eu lá trancado. O mais perto que cheguei de ser lixeiro foi ter me tornado publicitário, poluindo e enganando as mentes de criancinhas, adolescentes, adultos e velhinhos com meus textos persuasivos para convencê-los a beber refrigerantes, cervejas e bebidas em geral.
Escritor: sempre
tive alguma facilidade para as letras, entrei na faculdade de engenharia graças
às provas de português e redação, que definiram o placar. Já escrevi um livro
infantil aprovado e não publicado por uma editora, claro. Hoje escrevo músicas
e letras de músicas, algumas foram gravadas por ótimos intérpretes, e poemas,
crônicas, textos, frases e contos no mínimo para que eu mesmo os leia.
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