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quarta-feira, 11 de dezembro de 2019

A CASA!


Em plena manhã cinzenta, garoenta e fria de uma típica segunda feira má humorada qualquer, João e seu combalido Fiat Fiesta seguiam pelas ruas à procura de uma moradia. Fiesta era um automóvel adequado para o alto astral permanente de João, que chegava até a irritar tamanho o seu peculiar otimismo que destoava completamente do tom lúgubre daquele dia. Músico, poeta, culto, pobre, destrambelhado, distraído, educado, espirituoso, inteligente e feliz. Assim era João. Por seu espírito aventureiro algumas pessoas consideravam-no uma companhia excelente para compartilhar momentos de fútil e descompromissada conversação, mas ele também funcionava muito bem tanto num papo cabeça revolucionário de boteco como num debate acadêmico entre doutores, catedráticos, luminares ou especialistas em porra nenhuma. Formação não lhe faltava para participar de uma polêmica, pois se graduara em sociologia, tornara-se mestre em filosofia e era autodidata em literatura, música e bem viver. Boa vida era sempre o seu principal objetivo, definido por não passar fome e beber muito, trabalhar com alegria no que lhe desse prazer, ser livre para amar quem e quando quisesse. Por fim, reputava como primordial permanecer em estado de arte e manter um conforto básico em seu lar.

E um lar naquele dia transformara-se na meta principal de João, despejado de um enorme apartamento que ocupava há duas décadas na Avenida Ipiranga, bem no centro de Sampa. Pudera, quase um ano sem pagar o aluguel... Mas como pagar aquele exorbitante valor e viver, beber, transar, vestir, viajar, comer, ir a shows, peças e cinemas, ter uma vida de artista mambembe e comprar as melhores e mais caras cordas ou equipamentos para os seus instrumentos musicais? A insensibilidade do senhorio fora confirmada pela (in)justiça, obrigando João a se retirar do prédio com duas mochilas. Uma grande, cheia de roupas, e outra menor com objetos pessoais. Ele carregou dois violões, uma guitarra, um edredom de casal, dois travesseiros, os tênis nos pés, um par de sapatos e outro de chinelos, celular, lap top, carteira com documentos e grana, caixas de cigarros e uma garrafa de Dimple pela metade. Eram todos os seus bens e trajetória de vida passeando com ele em seu carro pela cidade, preocupados onde iriam aportar e dormir numa cidade desumana repleta de perigos.

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