Em plena manhã
cinzenta, garoenta e fria de uma típica segunda feira má humorada qualquer,
João e seu combalido Fiat Fiesta seguiam pelas ruas à procura de uma moradia.
Fiesta era um automóvel adequado para o alto astral permanente de João, que chegava
até a irritar tamanho o seu peculiar otimismo que destoava completamente do tom
lúgubre daquele dia. Músico, poeta, culto, pobre, destrambelhado, distraído,
educado, espirituoso, inteligente e feliz. Assim era João. Por seu espírito
aventureiro algumas pessoas consideravam-no uma companhia excelente para
compartilhar momentos de fútil e descompromissada conversação, mas ele também
funcionava muito bem tanto num papo cabeça revolucionário de boteco como num
debate acadêmico entre doutores, catedráticos, luminares ou especialistas em
porra nenhuma. Formação não lhe faltava para participar de uma polêmica, pois
se graduara em sociologia, tornara-se mestre em filosofia e era autodidata em
literatura, música e bem viver. Boa vida era sempre o seu principal objetivo,
definido por não passar fome e beber muito, trabalhar com alegria no que lhe
desse prazer, ser livre para amar quem e quando quisesse. Por fim, reputava
como primordial permanecer em estado de arte e manter um conforto básico em seu
lar.
E um lar naquele
dia transformara-se na meta principal de João, despejado de um enorme
apartamento que ocupava há duas décadas na Avenida Ipiranga, bem no centro de
Sampa. Pudera, quase um ano sem pagar o aluguel... Mas como pagar aquele
exorbitante valor e viver, beber, transar, vestir, viajar, comer, ir a shows,
peças e cinemas, ter uma vida de artista mambembe e comprar as melhores e mais
caras cordas ou equipamentos para os seus instrumentos musicais? A
insensibilidade do senhorio fora confirmada pela (in)justiça, obrigando João a
se retirar do prédio com duas mochilas. Uma grande, cheia de roupas, e outra
menor com objetos pessoais. Ele carregou dois violões, uma guitarra, um edredom
de casal, dois travesseiros, os tênis nos pés, um par de sapatos e outro de chinelos,
celular, lap top, carteira com documentos e grana, caixas de cigarros e uma
garrafa de Dimple pela metade. Eram todos os seus bens e trajetória de vida
passeando com ele em seu carro pela cidade, preocupados onde iriam aportar e
dormir numa cidade desumana repleta de perigos.
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