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sábado, 14 de dezembro de 2019

OS PÉS DE MARIA


E um belo dia, quando lá do céu azul e sem nuvens o sol arrebentaria todas as mamonas se a cidade tivesse mamonas e aqueceria toda a natureza se a metrópole de cimento tivesse natureza, Maria despertou percebendo-se completamente estranha. Estava toda curvada e entortada com metade do corpo para fora da cama, parecendo uma minhocona com dois pés. O interessante é que o pé esquerdo estava assentado no tapete, enquanto o pé direito ficava levantando e abaixando, batendo no chão como se Maria estivesse impaciente. Mas Maria não estava impaciente, tinha acabado de acordar e nem sonhar sonhara, nem um pesadelinho sequer assombrara o seu merecido descanso. Maria tentou movimentar a parte do seu corpo que abandonara voluntariamente a cama, mas assustou-se porque não conseguia mexer os pés, uma vez que eles já estavam se mexendo sozinhos e o pé esquerdo agora também se mostrava frenético, balançando-se sofregamente. Ainda um pouco sonolenta a moça de camisolinha curta revelava um corpinho bem delineado, mas uns três quilos acima do peso ideal, pois andava se fartando no vício do chocolate para suprir carências afetivas. Maria esfregou os olhos para ver se aquilo realmente estava acontecendo e descobriu: estava acontecendo.

Foi assim, de repente. Os pés de Maria naquele dia decretaram independência e passaram a ter vida própria. Até que foram bonzinhos, pois eles esperaram Maria acordar. Ela surpreendeu-se quando os pés começaram a andar sem que ela quisesse, dirigindo-a até o banheiro. A jovem aprumou-se rapidamente para não ser arrastada pelos próprios pés. Uma situação esquisita, inusitada e embaraçosa. Os pés a levaram até o banheiro para que ela se compusesse, fazendo o ritual matinal de se arrumar para o novo dia que havia nascido. Sabedores da rotina de Maria, primeiro eles a conduziram até a privada para que ela descarregasse as necessidades fisiológicas reprimidas durante o sono. Depois a colocaram embaixo do chuveiro e Maria instantaneamente tomou uma deliciosa ducha refrescante, apesar de estar preocupadíssima pensando que estava trocando os pés pelas mãos. Terminado o banho e após ela se enxugar, os pés a postaram defronte ao espelho para que ela escovasse os dentes, penteasse seus lindos e longos cabelos loiros e se maquiasse de forma leve, apenas para realçar os traços marcantes do seu rosto, que nesse dia contavam com dois olhos azuis especialmente arregalados por não estarem entendendo que Maria não estava comandando os próprios pés. Será que um espírito havia baixado nela durante a madrugada? Será que ainda não havia acordado? Não era possível. Agora os seus pés determinavam seus rumos, atividades, caminhos. Aquilo era ridículo demais, mas era a real.

Sem querer fazer trocadilho, enquanto colocava a roupa Maria ficou imaginando quais seriam os próximos passos dos seus pés. Eles decidiram que Maria não ia parar na cozinha para tomar o café da manhã como todos os dias e a levaram por alguns quarteirões, até chegarem a uma padaria famosa no bairro pelos seus quitutes de desjejum. Maria sentou-se ao balcão, servindo-se de pães, roscas, bolachas, biscoitos, sucos, presunto, queijo, salaminho, frutas, café e leite. Até que tomar o café daquela maneira tinha sido uma boa idéia e ela se sentiu revigorada para enfrentar o metrô superlotado que a levaria ao trabalho. Tentando dar uma relaxada antes de pegar no batente, a jovem olhou para os seus pés aquietados sob o balcão e viu como eram bem torneados. Pareciam uma escultura tamanha a perfeição e simetria de suas linhas. Eram gêmeos, apesar de um par de pés. Objeto de adoração e desejo de qualquer podólatra, os pés de Maria já haviam protagonizado campanhas publicitárias em revistas diversas, o que dera a eles uma aura de importância, uma relativa fama e reconhecimento.

Um comentário:

  1. O dia promete.
    Vou cuidar da lida e no fim do dia irei ler os próximos capítulos. Tomara que eles a levem para passear.... um dia divertido. Bjoooo

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