E um belo dia,
quando lá do céu azul e sem nuvens o sol arrebentaria todas as mamonas se a
cidade tivesse mamonas e aqueceria toda a natureza se a metrópole de cimento
tivesse natureza, Maria despertou percebendo-se completamente estranha. Estava
toda curvada e entortada com metade do corpo para fora da cama, parecendo uma
minhocona com dois pés. O interessante é que o pé esquerdo estava assentado no
tapete, enquanto o pé direito ficava levantando e abaixando, batendo no chão
como se Maria estivesse impaciente. Mas Maria não estava impaciente, tinha
acabado de acordar e nem sonhar sonhara, nem um pesadelinho sequer assombrara o
seu merecido descanso. Maria tentou movimentar a parte do seu corpo que
abandonara voluntariamente a cama, mas assustou-se porque não conseguia mexer
os pés, uma vez que eles já estavam se mexendo sozinhos e o pé esquerdo agora
também se mostrava frenético, balançando-se sofregamente. Ainda um pouco
sonolenta a moça de camisolinha curta revelava um corpinho bem delineado, mas
uns três quilos acima do peso ideal, pois andava se fartando no vício do
chocolate para suprir carências afetivas. Maria esfregou os olhos para ver se
aquilo realmente estava acontecendo e descobriu: estava acontecendo.
Foi assim, de
repente. Os pés de Maria naquele dia decretaram independência e passaram a ter
vida própria. Até que foram bonzinhos, pois eles esperaram Maria acordar. Ela
surpreendeu-se quando os pés começaram a andar sem que ela quisesse,
dirigindo-a até o banheiro. A jovem aprumou-se rapidamente para não ser
arrastada pelos próprios pés. Uma situação esquisita, inusitada e embaraçosa.
Os pés a levaram até o banheiro para que ela se compusesse, fazendo o ritual
matinal de se arrumar para o novo dia que havia nascido. Sabedores da rotina de
Maria, primeiro eles a conduziram até a privada para que ela descarregasse as
necessidades fisiológicas reprimidas durante o sono. Depois a colocaram embaixo
do chuveiro e Maria instantaneamente tomou uma deliciosa ducha refrescante,
apesar de estar preocupadíssima pensando que estava trocando os pés pelas mãos.
Terminado o banho e após ela se enxugar, os pés a postaram defronte ao espelho
para que ela escovasse os dentes, penteasse seus lindos e longos cabelos loiros
e se maquiasse de forma leve, apenas para realçar os traços marcantes do seu
rosto, que nesse dia contavam com dois olhos azuis especialmente arregalados
por não estarem entendendo que Maria não estava comandando os próprios pés.
Será que um espírito havia baixado nela durante a madrugada? Será que ainda não
havia acordado? Não era possível. Agora os seus pés determinavam seus rumos,
atividades, caminhos. Aquilo era ridículo demais, mas era a real.
Sem querer fazer
trocadilho, enquanto colocava a roupa Maria ficou imaginando quais seriam os
próximos passos dos seus pés. Eles decidiram que Maria não ia parar na cozinha
para tomar o café da manhã como todos os dias e a levaram por alguns
quarteirões, até chegarem a uma padaria famosa no bairro pelos seus quitutes de
desjejum. Maria sentou-se ao balcão, servindo-se de pães, roscas, bolachas,
biscoitos, sucos, presunto, queijo, salaminho, frutas, café e leite. Até que
tomar o café daquela maneira tinha sido uma boa idéia e ela se sentiu
revigorada para enfrentar o metrô superlotado que a levaria ao trabalho.
Tentando dar uma relaxada antes de pegar no batente, a jovem olhou para os seus
pés aquietados sob o balcão e viu como eram bem torneados. Pareciam uma
escultura tamanha a perfeição e simetria de suas linhas. Eram gêmeos, apesar de
um par de pés. Objeto de adoração e desejo de qualquer podólatra, os pés de
Maria já haviam protagonizado campanhas publicitárias em revistas diversas, o
que dera a eles uma aura de importância, uma relativa fama e reconhecimento.
O dia promete.
ResponderExcluirVou cuidar da lida e no fim do dia irei ler os próximos capítulos. Tomara que eles a levem para passear.... um dia divertido. Bjoooo