O entendimento
entre João e Paolla transcendeu a amizade nascedoura, a música e a arte. Depois
de tocarem por horas seguidas sem levantarem nem pra comer ou beber um copo de
água, bastou uma troca de olhares para se atracarem aos beijos, acometidos por
uma atração violenta, inexplicável, incontrolável. Transaram a madrugada
inteira no sofá, no tapete, na mesa de vidro. Em pé, encostados na parede da
sala, João possuiu Paolla por trás. A moça tentou se segurar agarrando com as
mãos a parede da Casa! que pareceu ranger participando daquele êxtase onde os
três, João, Paolla e a Casa! atingiram um poderoso orgasmo simultâneo.
Completamente extenuado o casal se deitou no sofá, abraçado, adormecendo
instantaneamente quase ao amanhecer. A Casa!, mesmo aparentando cansaço nas
tintas arranhadas pelas unhas de Paolla quando no auge do tesão, permaneceu
alerta. O casal só foi despertar no meio da tarde pelo estardalhaço da
campainha insistente. Outra convidada chegava e aguardava impaciente, olhando
freneticamente pra janela da Casa! procurando por alguém que lhe recebesse.
Em seu celular
João percebeu de pronto que desta vez não haviam se passado outros vinte e oito
meses. Aliviado, nem comentou nada com
Paolla que correu para o seu quarto enquanto ele se vestia rapidamente para
atender ao chamado com a roupa e a cara amassadas, a barba por fazer e o cabelo
desgrenhado. Dirigiu-se ao portão, mas não escapou de levar uma
buzinada-cumprimento do Fiat Fiesta. Quem ansiosa o expectava andando de lá pra
cá era uma deusa de ébano. Uma mulher de negritude tão forte que
parecia transmitir sua energia pro universo. A deusa tinha um corpo estupendo
que parecia dançar dentro da saia curta e da camisa clara com dois botões
abertos, que deixavam os seios tentadoramente à mostra. A moça, que tinha por
volta dos 35 anos, era de arrasar quarteirão e o quarteirão realmente parecia
arrasado, com os vizinhos maravilhados observando a personalidade que chamava
atenção até dos cães e gatos da rua. A Casa! fulgurava com todas as janelas
abertas novamente, aparentando muita satisfação pela presença da nova convidada.
Assim como João, que sentiu o coração pulsar num ritmo alucinado e desconhecido
mesmo para um músico. Encontrava-se num júbilo contagiante. Apenas lamentava
que não encontrasse tempo para colocar uma linha sequer no seu texto sobre
felicidade. A bela apresentou-se como Kenya Zunduri, bailarina e percussionista.
Trazia também um envelope-convite semelhante ao de Paolla, para integrar-se à
Trupe da Casa! por tempo indeterminado. João abriu o portão para Kenya entrar e
desconectado nem a ajudou com as malas e instrumentos que ela levava, entre
eles, djembê, pandeiro, cajón, berimbau e bongô. Paolla, que descia as escadas
do sobrado para também anfitrionar a nova convocada, foi quem chamou a atenção
do aparvalhado João, agora com duas beldades em seu surpreendente e misterioso
lar.
Paolla, Kenya e
a Casa! deram-se tão bem que pareciam ser amigas de infância. Após o
tradicional tour pela mansão, como todos estavam tremendamente famintos a trupe
assaltou o freezer e preparou lasanhas, filés à parmegiana e, previamente,
grelhados de cordeiro como aperitivo, acompanhados por garrafas dos preciosos
vinhos Carmin de Peumo 2009 e Don Melchor Cabernet Sauvignon 2014. João
encontrou na abundante adega uma garrafa de Chateau Petrus 2011. Como não
conhecia o vinho fez uma consulta no google. Ao saber que a garrafa valia
quinze mil reais resolveu deixá-la para um momento de comemoração especial. O
rega-bofe se estendeu até a noite, quando as moças decidiram fazer um som.
Paolla ao piano e Kenya nas percussões. João resolveu ir para o quarto
dissertar sobre o que era felicidade, tema do seu livro, pois não haveria
instante mais apropriado, afinal ele parara de se perguntar o que estava se
sucedendo ali para curtir integralmente aquela estória mágica e sem sentido. Por
que buscar sentido na felicidade? Não seria ela para ser apreciada ausente de
justificativas? Não deveria ser usufruída em sua essência e totalmente? Não
bastava senti-la? João cogitou que iria conseguir preencher de palavras a
página em branco defronte aos seus olhos, mas não concluiu uma linha. A
cantoria e gargalhadas das artistas não o deixavam se concentrar. Precisava
buscar inspiração, então cheirou cocaína levemente. Depois de duas horas de
tentativas infrutíferas de redigir, ele desistiu com o nariz avermelhado e
fungando, reparando que no andar debaixo a cantoria estava amainada, apesar de
que o piano continuava tocando um som de jazz que parecia sair de antigos
cabarés enfumaçados, aqueles repletos de dançarinas e personagens da noite. O
cheiro de erva tomava a Casa! que mesmo sendo hipoteticamente de matéria
inerte, entonteceu como se fosse uma ébria.
João desceu as
escadas sorrateiramente e ao chegar à metade viu uma cena magnífica. A
bailarina dançava provocante completamente nua, para o deleite da pianista,
numa sinergia artística-sexual excitante e incomparável. Aquilo só podia ser o
paraíso, pensou o músico. Todas as suas orações estavam sendo atendidas, apesar
de que nunca fizera orações. Os amplos gestos de Kenya se projetavam no ar
quase que formando desenhos, ao mesmo tempo em que a trilha executada por
Paolla ganhava densidade ou suavidade. As mulheres o distinguiram sentado na
escada, se dobrando de tesão, então o invitaram sorridentes a participar. João
correu até a adega para buscar o famoso vinho de quinze mil reais. Jamais
haveria oportunidade mais especial do que aquela. Voltou rapidamente. Ele tinha
julgado que a cena anterior era o paraíso, mas ao ver as amigas na sala quase
deixou cair a garrafa tamanho foi o espanto. Kenya e Paolla, esta agora também
despida, trocavam carícias lascivas rolando no tapete da Casa! que sacolejava
sutilmente como que tentando participar da transa. João tirou toda a sua roupa
e se colocou entre as duas mulheres que estavam de braços, pernas, bocas e corações
abertos. Amanhã com certeza ele continuaria o livro, refletiu o músico, se
entregando de corpo e alma às duas divas no chão da Casa! que vibrava tão
intensamente que as suas lâmpadas foram se esvanecendo, deixando fluir somente
a luz interior que emanava dos três tarados que se esfregavam um no outro,
penetravam-se e consumiam-se um ao outro, bebiam-se um do outro. O sexo durou
três dias com rápidas pausas em revezamento para buscarem petiscos, fumarem
erva e degustarem os mais afrodisíacos dos néctares de Baco. Fisicamente
esgotados e exauridos de quaisquer desejos por um período, até os seus exaustos
espíritos tiveram que buscar repouso. A Casa!, também necessitada de trégua,
descontraiu-se em serenidade e nada dentro dela se movimentou por quase quarenta
e oito horas.
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