Seguidores

quarta-feira, 11 de dezembro de 2019

A CASA - PARTE 5


O entendimento entre João e Paolla transcendeu a amizade nascedoura, a música e a arte. Depois de tocarem por horas seguidas sem levantarem nem pra comer ou beber um copo de água, bastou uma troca de olhares para se atracarem aos beijos, acometidos por uma atração violenta, inexplicável, incontrolável. Transaram a madrugada inteira no sofá, no tapete, na mesa de vidro. Em pé, encostados na parede da sala, João possuiu Paolla por trás. A moça tentou se segurar agarrando com as mãos a parede da Casa! que pareceu ranger participando daquele êxtase onde os três, João, Paolla e a Casa! atingiram um poderoso orgasmo simultâneo. Completamente extenuado o casal se deitou no sofá, abraçado, adormecendo instantaneamente quase ao amanhecer. A Casa!, mesmo aparentando cansaço nas tintas arranhadas pelas unhas de Paolla quando no auge do tesão, permaneceu alerta. O casal só foi despertar no meio da tarde pelo estardalhaço da campainha insistente. Outra convidada chegava e aguardava impaciente, olhando freneticamente pra janela da Casa! procurando por alguém que lhe recebesse.

Em seu celular João percebeu de pronto que desta vez não haviam se passado outros vinte e oito meses.  Aliviado, nem comentou nada com Paolla que correu para o seu quarto enquanto ele se vestia rapidamente para atender ao chamado com a roupa e a cara amassadas, a barba por fazer e o cabelo desgrenhado. Dirigiu-se ao portão, mas não escapou de levar uma buzinada-cumprimento do Fiat Fiesta. Quem ansiosa o expectava andando de lá pra cá era uma deusa de ébano. Uma mulher de negritude tão forte que parecia transmitir sua energia pro universo. A deusa tinha um corpo estupendo que parecia dançar dentro da saia curta e da camisa clara com dois botões abertos, que deixavam os seios tentadoramente à mostra. A moça, que tinha por volta dos 35 anos, era de arrasar quarteirão e o quarteirão realmente parecia arrasado, com os vizinhos maravilhados observando a personalidade que chamava atenção até dos cães e gatos da rua. A Casa! fulgurava com todas as janelas abertas novamente, aparentando muita satisfação pela presença da nova convidada. Assim como João, que sentiu o coração pulsar num ritmo alucinado e desconhecido mesmo para um músico. Encontrava-se num júbilo contagiante. Apenas lamentava que não encontrasse tempo para colocar uma linha sequer no seu texto sobre felicidade. A bela apresentou-se como Kenya Zunduri, bailarina e percussionista. Trazia também um envelope-convite semelhante ao de Paolla, para integrar-se à Trupe da Casa! por tempo indeterminado. João abriu o portão para Kenya entrar e desconectado nem a ajudou com as malas e instrumentos que ela levava, entre eles, djembê, pandeiro, cajón, berimbau e bongô. Paolla, que descia as escadas do sobrado para também anfitrionar a nova convocada, foi quem chamou a atenção do aparvalhado João, agora com duas beldades em seu surpreendente e misterioso lar.

Paolla, Kenya e a Casa! deram-se tão bem que pareciam ser amigas de infância. Após o tradicional tour pela mansão, como todos estavam tremendamente famintos a trupe assaltou o freezer e preparou lasanhas, filés à parmegiana e, previamente, grelhados de cordeiro como aperitivo, acompanhados por garrafas dos preciosos vinhos Carmin de Peumo 2009 e Don Melchor Cabernet Sauvignon 2014. João encontrou na abundante adega uma garrafa de Chateau Petrus 2011. Como não conhecia o vinho fez uma consulta no google. Ao saber que a garrafa valia quinze mil reais resolveu deixá-la para um momento de comemoração especial. O rega-bofe se estendeu até a noite, quando as moças decidiram fazer um som. Paolla ao piano e Kenya nas percussões. João resolveu ir para o quarto dissertar sobre o que era felicidade, tema do seu livro, pois não haveria instante mais apropriado, afinal ele parara de se perguntar o que estava se sucedendo ali para curtir integralmente aquela estória mágica e sem sentido. Por que buscar sentido na felicidade? Não seria ela para ser apreciada ausente de justificativas? Não deveria ser usufruída em sua essência e totalmente? Não bastava senti-la? João cogitou que iria conseguir preencher de palavras a página em branco defronte aos seus olhos, mas não concluiu uma linha. A cantoria e gargalhadas das artistas não o deixavam se concentrar. Precisava buscar inspiração, então cheirou cocaína levemente. Depois de duas horas de tentativas infrutíferas de redigir, ele desistiu com o nariz avermelhado e fungando, reparando que no andar debaixo a cantoria estava amainada, apesar de que o piano continuava tocando um som de jazz que parecia sair de antigos cabarés enfumaçados, aqueles repletos de dançarinas e personagens da noite. O cheiro de erva tomava a Casa! que mesmo sendo hipoteticamente de matéria inerte, entonteceu como se fosse uma ébria.

João desceu as escadas sorrateiramente e ao chegar à metade viu uma cena magnífica. A bailarina dançava provocante completamente nua, para o deleite da pianista, numa sinergia artística-sexual excitante e incomparável. Aquilo só podia ser o paraíso, pensou o músico. Todas as suas orações estavam sendo atendidas, apesar de que nunca fizera orações. Os amplos gestos de Kenya se projetavam no ar quase que formando desenhos, ao mesmo tempo em que a trilha executada por Paolla ganhava densidade ou suavidade. As mulheres o distinguiram sentado na escada, se dobrando de tesão, então o invitaram sorridentes a participar. João correu até a adega para buscar o famoso vinho de quinze mil reais. Jamais haveria oportunidade mais especial do que aquela. Voltou rapidamente. Ele tinha julgado que a cena anterior era o paraíso, mas ao ver as amigas na sala quase deixou cair a garrafa tamanho foi o espanto. Kenya e Paolla, esta agora também despida, trocavam carícias lascivas rolando no tapete da Casa! que sacolejava sutilmente como que tentando participar da transa. João tirou toda a sua roupa e se colocou entre as duas mulheres que estavam de braços, pernas, bocas e corações abertos. Amanhã com certeza ele continuaria o livro, refletiu o músico, se entregando de corpo e alma às duas divas no chão da Casa! que vibrava tão intensamente que as suas lâmpadas foram se esvanecendo, deixando fluir somente a luz interior que emanava dos três tarados que se esfregavam um no outro, penetravam-se e consumiam-se um ao outro, bebiam-se um do outro. O sexo durou três dias com rápidas pausas em revezamento para buscarem petiscos, fumarem erva e degustarem os mais afrodisíacos dos néctares de Baco. Fisicamente esgotados e exauridos de quaisquer desejos por um período, até os seus exaustos espíritos tiveram que buscar repouso. A Casa!, também necessitada de trégua, descontraiu-se em serenidade e nada dentro dela se movimentou por quase quarenta e oito horas.

Nenhum comentário:

Postar um comentário