Depois do rapaz
ter saciado a volúpia pelos pés de Maria, veio a nova etapa que ela percebeu ia
adentrar a madrugada, porque os seus pés tomaram as rédeas da transa. Eles
fizeram com que enlaçasse o rapaz energicamente com as pernas, puxando-o para
dentro dela. E ele entrou todo de uma vez, muito fundo, tão fundo que Maria
sentiu o membro do cara quase atravessá-la. E então os pés de Maria fizeram-na
rebolar, se mexer, se movimentar, nunca o rapaz experimentara um sexo tão
intenso, nunca ele tinha gozado tanto, muito menos Maria, que não agüentando
mais vários orgasmos múltiplos e simultâneos, gritou a pleno pulmões “que bom,
que bom, chega!” Até que os pés de Maria deram o veredicto final. Viraram a
jovenzinha de costas para o rapaz. Quando o pênis desproporcional do três
pernas viu aquela suculenta e nunca desbravada bundinha, armou-se feito um
mastro de navio. Maria apenas fechou os olhos e deixou-se levar em todos os
sentidos pelos seus pés.
Tanto Maria
quanto o rapaz ficaram tão extenuados pela maratona em que atracaram seus
corpos, que dormiram toda a manhã de sábado. Os pés de Maria a acordaram lá
pelas treze horas, ela se espreguiçou e logo sentiu o aroma de sexo que a
impregnava inteira. Estava bem dolorida, devido às qualidades métricas do pênis
do seu amante, o que a fez voltar àquele sentimento combinado de satisfação
pelo tesão reprimido há tempos e que havia saciado de forma exacerbada, com a
revolta de não poder dominar as suas ações. As suas sensações estavam
comprometidas porque se tornara escrava dos propósitos mais esquisitos e
rasteiros dos seus pés. Se eles quisessem torná-la uma prostituta, uma
empregada doméstica, uma jogadora de futebol, uma equilibrista de circo ou uma
bailarina eles o fariam. Ela não tinha condições de impedir nada, não lhe era
permitido escolher. Aquilo foi novamente dando uma agonia profunda em Maria.
Ela só contava com vinte e quatro anos, tinha uma vida longa pela frente, mas
não poderia vivê-la assim, como uma serva sem os direitos mínimos que um ser
humano precisa para ser digno. O enorme desrespeito a magoava demais, pois se
transformara numa marionete sujeita aos caprichos de dois pés que refutava como
seus. Eles estavam colados ao seu corpo como dois parasitas que dela haviam se
apoderado. Maria não via outra solução a não ser ceifá-los das suas pernas ou
então acabar com a sua breve existência de vez.
Antes que Maria
pudesse pensar em qualquer atitude os seus pés, andarilhos vis, passearam pela
cidade enquanto ela divagava a mente. Queria ir embora do seu corpo desvestindo
aqueles pés como se fossem dois sapatos. Almejava flutuar feito uma folha de
árvore, voar como um passarinho. Queria volitar, espírito liberto da carne, ou
transformar-se simplesmente numa suave brisa.
Entretanto, já no escuro da noite, ouviu um som ensurdecedor que vinha de uma casa noturna localizada na esquina próxima. A noitada especial do lugar trazia a São Paulo os piores representantes desse inominável gênero não musical apelidado de funk. E estavam mandando ver um daqueles funks gritados que só transmitem asneiras e colocam as mulheres como seres sem cérebro, sacolejando as protuberantes nádegas de forma tão sensual quanto um filme pornô protagonizado por primatas. Isso era demais. Maria na infância praticara balé clássico, tinha um gosto musical aprimorado no estudo de música erudita. Baile funk não, Maria pediu aos seus pés, quase arrancando o dourado cabelo. Mas não houve acordo. Quando caiu em si ela estava no meio do salão se esfregando e sendo esfregada por quatro caras sem camisa, com as calças caindo e fedidos de suor. A catinga deu náuseas em Maria. Entretanto, o sucesso da atuação dos seus pés fez com que a banda a chamasse ao palco, onde quase em prantos foi realizar aquilo que poderia ser chamado de qualquer coisa menos dança. Vascolejando o corpo por horas, fez a galera enlouquecer acompanhando-a com as cabeças ocas ou repletas de fumaça.
Quando saiu do
salão Maria estava moída. Só os seus pés não doíam ou demonstravam cansaço. As
olheiras pareciam máscaras para o azul agora desbotado dos seus olhos. Os
cabelos completamente desgrenhados e o vestido desalinhado eram o retrato do
seu interior. O seu estado emocional era deplorável, pela destruição
psicológica que todos aqueles acontecimentos toscos haviam causado à sua
personalidade. No seu íntimo ela queria somente desaparecer. Maria se sentia
fraca, a fadiga mental era violenta. Não entendia o que acontecia com ela e
porque era personagem daquela situação sem pé nem cabeça, ou melhor, só com pé.
Aonde aquilo ia dar? Não havia sentido. O esgotamento era tanto que os
famigerados pés a ajoelharam na calçada para Maria chorar e ela chorou
desveladamente. Após esse desabafo, os pés de Maria concederam a ela repousar numa
carrocinha dessas que são usadas por catadores de papel, latinhas e objetos
diversos. A jovem, aliviada, dormiu bastante ao relento, sob o testemunho da
luz da lua. Todas as estrelas se retiraram do céu, como que protestando pelo
sofrimento de Maria. Ela assim ficou até que ao amanhecer começou a ter um
pesadelo em que os seus pés, frente a uma bifurcação, discordavam entre eles
sobre qual caminho seguir. Cada um queria ir para um lado. No instante em que
ela ia se partir em duas, acordou aos gritos e suando frio.
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