Nos momentos
difíceis da vida a gente descobre quem são os verdadeiros amigos.
Ao longo da semana em que eu me preparava para ir ao cadafalso, recebi diversas mensagens: a maioria de gozações, outras preocupadas com a sobrevivência do dentista, e algumas poucas de solidariedade, mas essas valeram tanto que as citarei:
Ao longo da semana em que eu me preparava para ir ao cadafalso, recebi diversas mensagens: a maioria de gozações, outras preocupadas com a sobrevivência do dentista, e algumas poucas de solidariedade, mas essas valeram tanto que as citarei:
Pai e Mãe:
ficaram preocupadíssimos com a situação. Ofereceram ajuda em todos os sentidos,
a compra de remédios, alimentação personalizada, enfermeira 24 horas, kit cd's
e dvd’s durante a recuperação dos ferimentos e muitas orações...
Filho: escutou minhas lamúrias com atenção, dando-me apoio, confortando-me com toda a paciência e sempre falando que tudo ia dar certo. Comprometeu-se a tocar seu maravilhoso violão durante a minha convalescença.
Amigo Véio: pagou-me tantas cervejas esta semana que teve até que pendurar no boteco. Quis adquirir gás hilariante de um dentista amigo dele para somar-se às anestesias do Dr. João. Prometeu pagar uma dúzia de cervas após o duelo para afogar as mágoas ou comemorar a vitória.
Mulher Amada: cobriu-me de carinhos, beijos intensos, atenção, abraços ferventes, palavras afetuosas e incentivadoras, compreensão e amor. Olhou-me com olhos ternos e preocupados, depois com olhos de tesão e me fez esquecer toda a dor com sua paixão enlouquecedora. Amá-la-ei por todo o sempre.
Na madrugada do
duelo os contendores fizeram os seus preparativos, ajustando as armas para o
ferrenho e sangrento combate. Dr. João afiou e lustrou todos os instrumentos
cortantes, preparou as anestesias e medicamentos, checou todos os equipamentos
que podiam causar dor para que eles funcionassem perfeitamente e cumprissem sem
falhas as suas missões: provocar desmesurado sofrimento! Eu bebi menos do que o
costume, acho que só umas 12 latinhas, tomei os remédios, andei para lá e para
cá orando, depois parei meditando tão fortemente que comecei a levitar. Sim o
poder da minha mente começou a exercitar-se para desviar toda e qualquer dor a
outros córregos. Quando me desliguei do transe quase mediúnico desabei do teto
ao colchão. Claro que eu medito em um colchão colocado estrategicamente no
chão. Por isso é um col-chão! Adormeci um sono tranqüilo só rompido pelos cães
querendo bolachas e ossinhos lá pelas sete da matina.
O sol raiou e eu
lembrei que quando ele estivesse se pondo seria a hora de subir as escadas do
patíbulo com toda a coragem que um leonino poderia reunir. Fui para as reuniões
de trabalho com o olhar lânguido e distante, numa espécie de pré-concentração
de batalha. Já imaginava o rugir dos tambores, o soar das trombetas e o anúncio
dos antagonistas aos berros pelo apresentador da luta. Mas o silêncio foi
rompido pelo telefone. Era uma emissária do Dr. João. Quando ouvi a meiga voz
da secretária do meu algoz perguntando como eu estava e se ainda havia dor,
quase explodi. Era provocação demais. Eles queriam me desestabilizar
psicologicamente, era uma tentativa de enfraquecer a minha mente para que eu
abrisse as minhas defesas, mas não deixei. Reagi prontamente e disse mentindo,
é claro, que não estava sentindo mais nada. Aí a moça perguntou-me, gaguejante,
se então poderia remarcar o duelo para outro dia. A voz foi até se afinando...
Explodi numa gargalhada estrepitosa... Quer dizer que o meu adversário tinha
piscado? O terror de me enfrentar tinha mexido com ele? Perguntei se havia
algum problema e ela disse-me que Dr. João havia machucado a mão! A minha
gargalhada foi retumbante. Disse a ela que desejava as melhoras do doutor para
que ele estivesse na plenitude da saúde em nosso próximo encontro e questionei:
- mas quem mordeu o dedo do dentista?
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