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quinta-feira, 12 de dezembro de 2019

ANTIDENTISTA (Reality-Conto) Parte 3


Nos momentos difíceis da vida a gente descobre quem são os verdadeiros amigos.
Ao longo da semana em que eu me preparava para ir ao cadafalso, recebi diversas mensagens: a maioria de gozações, outras preocupadas com a sobrevivência do dentista, e algumas poucas de solidariedade, mas essas valeram tanto que as citarei:

Pai e Mãe: ficaram preocupadíssimos com a situação. Ofereceram ajuda em todos os sentidos, a compra de remédios, alimentação personalizada, enfermeira 24 horas, kit cd's e dvd’s durante a recuperação dos ferimentos e muitas orações...

Filho: escutou minhas lamúrias com atenção, dando-me apoio, confortando-me com toda a paciência e sempre falando que tudo ia dar certo. Comprometeu-se a tocar seu maravilhoso violão durante a minha convalescença.

Amigo Véio: pagou-me tantas cervejas esta semana que teve até que pendurar no boteco. Quis adquirir gás hilariante de um dentista amigo dele para somar-se às anestesias do Dr. João. Prometeu pagar uma dúzia de cervas após o duelo para afogar as mágoas ou comemorar a vitória.

Mulher Amada: cobriu-me de carinhos, beijos intensos, atenção, abraços ferventes, palavras afetuosas e incentivadoras, compreensão e amor. Olhou-me com olhos ternos e preocupados, depois com olhos de tesão e me fez esquecer toda a dor com sua paixão enlouquecedora. Amá-la-ei por todo o sempre.

Na madrugada do duelo os contendores fizeram os seus preparativos, ajustando as armas para o ferrenho e sangrento combate. Dr. João afiou e lustrou todos os instrumentos cortantes, preparou as anestesias e medicamentos, checou todos os equipamentos que podiam causar dor para que eles funcionassem perfeitamente e cumprissem sem falhas as suas missões: provocar desmesurado sofrimento! Eu bebi menos do que o costume, acho que só umas 12 latinhas, tomei os remédios, andei para lá e para cá orando, depois parei meditando tão fortemente que comecei a levitar. Sim o poder da minha mente começou a exercitar-se para desviar toda e qualquer dor a outros córregos. Quando me desliguei do transe quase mediúnico desabei do teto ao colchão. Claro que eu medito em um colchão colocado estrategicamente no chão. Por isso é um col-chão! Adormeci um sono tranqüilo só rompido pelos cães querendo bolachas e ossinhos lá pelas sete da matina.

O sol raiou e eu lembrei que quando ele estivesse se pondo seria a hora de subir as escadas do patíbulo com toda a coragem que um leonino poderia reunir. Fui para as reuniões de trabalho com o olhar lânguido e distante, numa espécie de pré-concentração de batalha. Já imaginava o rugir dos tambores, o soar das trombetas e o anúncio dos antagonistas aos berros pelo apresentador da luta. Mas o silêncio foi rompido pelo telefone. Era uma emissária do Dr. João. Quando ouvi a meiga voz da secretária do meu algoz perguntando como eu estava e se ainda havia dor, quase explodi. Era provocação demais. Eles queriam me desestabilizar psicologicamente, era uma tentativa de enfraquecer a minha mente para que eu abrisse as minhas defesas, mas não deixei. Reagi prontamente e disse mentindo, é claro, que não estava sentindo mais nada. Aí a moça perguntou-me, gaguejante, se então poderia remarcar o duelo para outro dia. A voz foi até se afinando... Explodi numa gargalhada estrepitosa... Quer dizer que o meu adversário tinha piscado? O terror de me enfrentar tinha mexido com ele? Perguntei se havia algum problema e ela disse-me que Dr. João havia machucado a mão! A minha gargalhada foi retumbante. Disse a ela que desejava as melhoras do doutor para que ele estivesse na plenitude da saúde em nosso próximo encontro e questionei: - mas quem mordeu o dedo do dentista?

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