Maria abriu os
olhos e agiu rápido, quase sem pensar. Ao encontrar uma corda no fundo da
carrocinha, amarrou-a e prendeu-a em seu pescoço. Sabia que não conseguiria
cortar aqueles pés nem com um serrote, portanto só lhe restava a opção de
morrer para se libertar do jugo malévolo a que estava sendo submetida. A jovem
segurou a ponta da corda e com um nó apertou-a cada vez mais forte na garganta.
Queria libertar os seus passos, queria se sentir humana novamente, ser dona dos
seus erros e acertos, suas escolhas e vontades. Bastava de mergulhos na
imensidão do obscuro. Não haveria mais hesitação porque não existiria mais
Maria, pensou a moça, olhando para a árvore ao lado. Maria jogou a outra ponta
da corda em um galho e imediatamente deu um nó de marinheiro irrepreensível.
Puxou a corda com uma força que nem sabia onde buscara. Quando os pés de Maria
fizeram-na pular da carrocinha para iniciar mais um périplo a esmo pelas ruas,
ela ficou pendendo no ar deixando os seus pés soltos balançando desesperados à
procura de apoio. Maria havia prendido a corda de um jeito que não tinha como
se safar. O fim do suplício estava próximo. O auto-enforcamento prosseguiu sem
que seus pés conseguissem uma forma de impedir, por mais que lutassem. Maria
começou a ficar roxa, o sangue foi parando de circular, a língua saltou para
fora da boca junto com a baba. Os maravilhosos olhos azuis cobertos de lágrimas
se reviraram nos globos oculares. Os pés de Maria tremiam em espasmos enquanto
o seu corpo morria sufocado em busca da libertação sonhada. Em seus estertores
finais, o sorriso de felicidade no rosto disforme de Maria era de estarrecer.
Inesperadamente,
diversas mãos seguraram Maria. Outras mãos a livraram da corda e a puseram no
chão. Maria, que se preparava para o último alento, recebeu o ar em seus
pulmões, bálsamo que realimentou o seu cérebro de esperanças. O sangue voltou a
circular em seu corpo, a cor retornou aos poucos à sua face. A moça, deitada de
costas no chão, recuperou-se à existência. Olhou agradecida para o céu, sem
ouvir as palavras que os seus salvadores lhe diziam. Após um tempo, ressabiada
preparou-se para a prova final. Reuniu toda a potência da sua mente, a energia
positiva acumulada desde a sua origem e tentou mover os seus pés. Os pés de
Maria obedeceram a sua autoridade e ela começou a rir. E ria. E olhava para o
céu. E ria e olhava para os pés, virando-os, movimentando-os, mexendo todos os
dedos. Maria ria, Maria chorava e ninguém entendia o que aquela maluca que
tentara o suicídio estava sentindo ao executar um gesto tão simples como mover
os dedos. Outra vez detentora dos seus atos, Maria abraçou cada pessoa que a
tinha salvado, despediu-se e saiu andando descalça pela rua. Um pouco mais a
frente tirou o vestido e prosseguiu completamente nua. Maria íntegra, limpa,
livre de corpo e alma, foi caminhando assim, despojada de todo o seu passado
rumo ao futuro. Foi andar a vida passo a passo, decidida apenas a andar. Andar
para o seu destino. Andar sempre pra frente. Andar...
FIM
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