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sábado, 14 de dezembro de 2019

OS PÉS DE MARIA - Epílogo


Maria abriu os olhos e agiu rápido, quase sem pensar. Ao encontrar uma corda no fundo da carrocinha, amarrou-a e prendeu-a em seu pescoço. Sabia que não conseguiria cortar aqueles pés nem com um serrote, portanto só lhe restava a opção de morrer para se libertar do jugo malévolo a que estava sendo submetida. A jovem segurou a ponta da corda e com um nó apertou-a cada vez mais forte na garganta. Queria libertar os seus passos, queria se sentir humana novamente, ser dona dos seus erros e acertos, suas escolhas e vontades. Bastava de mergulhos na imensidão do obscuro. Não haveria mais hesitação porque não existiria mais Maria, pensou a moça, olhando para a árvore ao lado. Maria jogou a outra ponta da corda em um galho e imediatamente deu um nó de marinheiro irrepreensível. Puxou a corda com uma força que nem sabia onde buscara. Quando os pés de Maria fizeram-na pular da carrocinha para iniciar mais um périplo a esmo pelas ruas, ela ficou pendendo no ar deixando os seus pés soltos balançando desesperados à procura de apoio. Maria havia prendido a corda de um jeito que não tinha como se safar. O fim do suplício estava próximo. O auto-enforcamento prosseguiu sem que seus pés conseguissem uma forma de impedir, por mais que lutassem. Maria começou a ficar roxa, o sangue foi parando de circular, a língua saltou para fora da boca junto com a baba. Os maravilhosos olhos azuis cobertos de lágrimas se reviraram nos globos oculares. Os pés de Maria tremiam em espasmos enquanto o seu corpo morria sufocado em busca da libertação sonhada. Em seus estertores finais, o sorriso de felicidade no rosto disforme de Maria era de estarrecer.

Inesperadamente, diversas mãos seguraram Maria. Outras mãos a livraram da corda e a puseram no chão. Maria, que se preparava para o último alento, recebeu o ar em seus pulmões, bálsamo que realimentou o seu cérebro de esperanças. O sangue voltou a circular em seu corpo, a cor retornou aos poucos à sua face. A moça, deitada de costas no chão, recuperou-se à existência. Olhou agradecida para o céu, sem ouvir as palavras que os seus salvadores lhe diziam. Após um tempo, ressabiada preparou-se para a prova final. Reuniu toda a potência da sua mente, a energia positiva acumulada desde a sua origem e tentou mover os seus pés. Os pés de Maria obedeceram a sua autoridade e ela começou a rir. E ria. E olhava para o céu. E ria e olhava para os pés, virando-os, movimentando-os, mexendo todos os dedos. Maria ria, Maria chorava e ninguém entendia o que aquela maluca que tentara o suicídio estava sentindo ao executar um gesto tão simples como mover os dedos. Outra vez detentora dos seus atos, Maria abraçou cada pessoa que a tinha salvado, despediu-se e saiu andando descalça pela rua. Um pouco mais a frente tirou o vestido e prosseguiu completamente nua. Maria íntegra, limpa, livre de corpo e alma, foi caminhando assim, despojada de todo o seu passado rumo ao futuro. Foi andar a vida passo a passo, decidida apenas a andar. Andar para o seu destino. Andar sempre pra frente. Andar...

FIM

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